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Cow

Vida e morte de uma mãe

(Cow, GBR, 2021)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Andrea Arnold
  • Roteiro: Andrea Arnold
  • Duração: 94 minutos

“Depois de uma certa idade ela passou a ser super protetora com a cria”

Comentário feito acerca de Luma, mãe de seis. A funcionário número 29 passa da meia idade, convive com outras tantas operárias, algumas mais joviais, outras aparentando estar tão cansadas quanto ela. Pretas, brancas, miscigenadas. No The Dairy Cattle Park Farm não tem tempo ruim, todo dia é dia de ser produtiva. Mesmo que seja em meio ao lamaçal, elas têm que se dirigir as máquinas, produzir, alimentar, descansar e repetir o processo no dia seguinte.

Cow (2021)
Cortesia Mostra SP

O olhar de Luma acusa que aquele esquema beira à escravidão. Ela queria mesmo era correr livre pelos campos, sentir os ventos tocando seu corpo, rolar na relva. Mas a realidade é a do frio metal onde se recosta enquanto é examinada. Seus filhos são separados, as filhas são mais celebradas quando nascem por serem mais lucrativas para seus patrões e logo que podem andar bem sozinhas são vendidas. E não, não se trata de um romance distópico como The Handmaid’s Tale, mas tão somente a rotina trivial de uma fazenda, uma onde os seres irracionais não têm vez nem voz para por uma revolução em curso. Luma é uma pobre vaca leiteira destinada a ter suas tetas e seu útero explorados à exaustão.

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I am milk
I am weak
But I am strong
I can use my tears to
Bring you home

Pena que a comoção, as lágrimas, o torpor e a revolta que a dor de Luma – ou da número 21, mais jovem porém com o útero retorcido dando mugidos dolorosos mas que “talvez dê leite ainda” não durem mais do que a duração do filme. Mas a linguagem, o cinema direto com um quê irônico, a trilha repleta de melancolia sedutora com Billie Eilish, Kali Uchis e Angel Olsen, as tomadas próximas dos olhos de Luma e suas companheiras de cárcere, os planos opressivos do curral e oníricos do campo dão a dimensão de pesadelo corta-coração que é Cow.

Cow (2021)
Cortesia Mostra SP

Andrea Arnold (American Honey, Fish Tank) machuca demais ao apenas colocar a sua câmera observacional atravessando a rotina nas fazendas de Molinari (Londres) e Park House (Copenhague) para fabular esse quartel/matadouro de mulheres/vacas e produzir um documentário que é um extrato da indelicadeza humana com os animais. Que também se lê muito bem como um constructo do sistema patriarcal para explorar fêmeas (re)produtoras. E se recentemente chamou a atenção o fato de Joaquin Phoenix ter produzido o documentário Gunda, sobre a história de uma porca e seus filhotes, do cineasta russo Viktor Kosakovskiy, Arnold opta por um caminho de maior gravidade no trato do tema. É como um tiro no meio da testa, para além de repensar a maneira como se consome leite, sobre a crueldade que molda a indústria de laticínios.

Um grande momento
Lágrimas ao ver a bezerrinha negra ser tomada de si

[45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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