A diretora Nisha Ganatra tem uma extensa lista de assinaturas em episódios de séries de sucesso, tais quais Girls, Love e Cara Gente Branca, além de um simpático longa metragem anterior, Talk Show, onde Emma Thompson chegou a ser indicada ao Globo de Ouro. Nesse novo filme, A Batida Perfeita, Nisha mostra que o conhecimento que tem do seu ofício não serve exclusivamente como veículo vazio de captação de imagens aleatórias pela câmera. Há um capricho visível em tentar transformar aquele produto aparentemente banal em algo mais bem cuidado e menos genérico do que o gênero se costuma apresentar.
Escrito pela estreante Flora Greeson, o filme tenta escapar da armadilha dos clichês em situações banais da narrativa, porém cede à mesmice em movimentos mais amplificados, o que demonstra inexperiência para o modo como a mesma história é contada, embora os acertos do roteiro mostram que é possível vislumbrar um futuro para a autora, a base de estudo e dedicação. Acaba por se tornar uma sessão muito curiosa, onde a sintonia de seu material escrito não é constante mas ao mesmo tempo suficiente para embalar uma diversão de proposta ligeira que acaba por angariar nossa simpatia, diante de personagens vibrantes.
O filme tem na mão experiente de Nisha um trunfo que por vezes escapa ao roteiro, quando ele escaneia seus personagens por completo, os enche de humanidade e contradições, os torna humanos e críveis, mas os amarra de maneira esperada… ou talvez o ser humano seja mesmo um poço de repetições constantes, não apenas cinematograficamente falando. O caminho macro por onde o grupo de pessoas de A Batida Perfeita passa não é necessariamente novo, novas talvez sejam umas sacadas momentâneas e unitárias de cada um, que dão charme e elegância ao material – isso também é fruto da visão de sua diretora, mais uma vez negociando duas mulheres em pontos diferentes de carreira e poder.
Os contrapontos entre Dakota Johnson (de Cinquenta Tons de Cinza; coitada, ser lembrada por isso) e Tracee Ellis Ross (a estrela de black-ish) são explícitos e problematizados: uma jovem mulher promissora branca cheia de sonhos e oportunidades que parecem se suceder a granel, e uma mulher madura negra estabilizada em um sistema que a quer expelir. Em uma cena forte, Grace Davis expõe isso a sua assistente, como manter um lugar tão raro na indústria, que do início ao fim da cadeia alimentar ainda regurgita racismo, machismo e etarismo; ainda que o filme não elabore essas questões em lugares ainda mais específicos e perca a oportunidade de amplificar esse olhar, o filme revela essa ambivalência no ar.
Por trás de uma carapaça unicamente comercial, que rememora os conceitos de O Diabo veste Prada em um filme que se pretende com uma carga maior de sororidade que não foi vista no sucesso de 15 anos atrás, ainda assim o longa mais uma vez encampa uma disputa velada entre lugares de comando à duas mulheres, que em tese nem brigam pelos mesmos postos. É a velha máxima de elaborar conflitos dramáticos através da presença de mulheres fortes em cena, presente na teledramaturgia e que o cinema recicla por tantas vezes, aqui de maneira desconcertante, porque as lufadas de oxigênio são perceptíveis em meio ao lugar já conhecido.
Com uma trilha sonora estonteante que vai de Aretha Franklin ao onipresente Sam Cooke, passando por Cher, Cat Stevens, uma versão de “Jealous Guy” de John Lennon, até chegar nas belas vozes de Tracee e Kelvin Harrison Jr (de Ao Cair da Noite, cada vez melhor) em canções originais que poderiam tranquilamente ter sido indicadas ao Oscar, A Batida Perfeita é uma diversão que promove (breves) reflexões sobre os diferentes estados das coisas dentro das esferas do showbusiness, que se encerra de maneira inexplicavelmente televisiva, mas que guarda em si muito carisma e um olhar atento ao limite da ambição, e as escolhas que precisamos fazer quando estamos no limite que a indústria nos jogou.
Um grande momento
Acerto de contas no banheiro