(Hugo, EUA, 2011)
Aventura
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ray Winstone, Emily Mortimer, Christopher Lee, Helen McCrory, Michael Stuhlbarg
Roteiro: Brian Selznick (livro), John Logan
Duração: 126 min.
Nota: 9
O som característico de um velho projetor é o mesmo som das articulações de um grande relógio. Uma noção arrebatadora. Já que o cinema, embora sendo a única das artes capaz de reunir todas as outras, é também, justamente, a única capaz de envelhecer.
E o cinema envelhece, ninguém pode dizer que não. Diferente da música, das artes plásticas e, até certo ponto, da literatura, o cinema eventualmente torna-se um registro datado de sua época, exigindo, a cada ano, cada vez mais da capacidade de suspensão dos espectadores. O que está longe de representar um defeito, sendo sim o contrário: o cinema é a mais mágica das artes. É a única que dança lado a lado com o tempo, como amiga e companheira.
Mágica, tempo e cinema. Estes três temas representam a alma, o espírito e o corpo de A Invenção de Hugo Cabret, o primeiro filme em 3D (e infanto-juvenil) de Martin Scorsese, um diretor-deus da velha guarda que, amante e cúmplice do cinema, usa todo o seu inigualável talento para nos conduzir por uma aventura de banhar os olhos e tornar o coração de qualquer um, amante da sétima arte.
Hugo conta a história de seu personagem-título, um órfão de dez anos que, por força das circunstâncias, trabalha sozinho consertando e ajustando os relógios de uma gigantesca estação de trem – um dos meus trabalhos preferidos do veterano Dante Ferreti – enquanto tenta consertar, também, um velho autômato (uma espécie de robô que guarda programações simples) herdado de seu pai.
Em maior escala, porém, A Invenção de Hugo Cabret conta, na verdade, a história de Papa Georges, um misterioso vendedor de bugigangas cujo passado está interligado ao nascimento do cinema. E é aqui que a verdadeira mágica começa.
Scorsese não é apenas um dos cineastas vivos mais talentosos. É também um dos homens mais inteligentes da indústria. Afinal, o quão apropriado é que sua primeira incursão ao gênero infanto-juvenil seja, justamente, em uma obra que retrata a infância do cinema? E como não se divertir com sua decisão nos levar aos anos 30 justamente através de uma tecnologia tão nova?
E é espetacular o 3D de Hugo. Scorsese explora todas as possibilidades dos cenários impressionantes e grandiosos (com destaque para o travelling em alta velocidade que abre a projeção), e ainda não se furta de pequenas piadas, como o grotesco nariz de um homem, no momento em que ele faz uma ameaça, que parece saltar da tela e pesar sobre o próprio espectador.
Contudo, tantos recursos não valeriam muito se este não fosse um filme tão humano e adorável. E nosso carinho pela aventura do pequeno órfão torna-se ainda maior quando percebemos como está doído o coração do rapazinho. Abandonado ou ameaçado por todos que deveriam protegê-lo (do pai ao tio, passando pelas autoridades), o jovem Hugo Cabret encontra em sua missão pessoal o único impulso para continuar vivendo, e a cena em que ele desaba sobre uma poltrona esfiapada ao se deparar com uma terrível frustração é um dos momentos mais tristes e doloridos do personagem. (E vale lembrar que o talentoso Asa Butterfield já nos emocionou antes, no trágico O Menino do Pijama Listrado.)
Mas Butterfield não pode ficar com todos os elogios sozinho. Chloë Grace Moretz traz um ar de Emma Watson (e também de Hermione) à sua doce interpretação, enquanto o sombrio Papa Georges de Ben Kingsley demonstra uma severidade no limite do cruel, embora não deixe de transparecer uma motivação quase nobre a suas ações. Porém, quem realmente conquista o espectador nem é o divertidíssimo e ameaçador Inspetor da Estação interpretado Sacha Baron Cohen, mas sim a complexa Mama Jeane, esposa de Papa Georges.
Com poucos minutos em cena, a atriz Helen McCrory nos apresenta a uma espécie de Pilar del Río ficctícia, a magnífica jornalista que foi esposa e musa do falecido escritor José Saramago ao longo de décadas. Severa e bondosa, ao mesmo tempo, inteligente e protetora como uma leoa, Mama Jeane é uma verdadeira companheira de vida para Georges, uma mulher que inspira e cuida do talentoso parceiro sem, porém, ser ofuscada por ele.
O que, de certa forma, pode ser a definição do próprio Martin Scorsese. Um homem que, já há muito tempo, é companheiro e parceiro do cinema e que se tornou, já há algum tempo, uma inspiração inigualável para as novas gerações.
O cinema envelhece. Mas enquanto estiver nas mãos de homens como Scorsese, as visitas ao passado dessa arte serão sempre como uma visita ao mundo dos sonhos.
Ou seja: uma visita a nossa própria alma.
Um Grande Momento
O brilho nos olhos de um garotinho que visita um set de filmagens pela primeira vez na vida.
Melhor Fotografia (Robert Richardson), Melhor Direção de Arte (Dante Ferretti, Francesca Lo Schiavo), Melhor Mixagem de Som (Tom Fleischman, John Midgley), Melhor Edição de Som (Philip Stockton, Eugene Gearty), Melhores Efeitos Visuais (Robert Legato, Joss Williams, Ben Grossmann, Alex Henning)
Links
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