Drama
Direção: Juliana Rojas
Elenco: Gilda Nomacce, Helena Albergaria, Ivy Souza, Mariza Junqueira, Nana Yazbek
Roteiro: Juliana Rojas
Duração: 21 min.
Nota: 7
A decoração, as cores, os figurinos e os cabelos nos remetem aos anos 1980. Mais precisamente ao ano de 1986, na noite da passagem do Cometa Halley. O deslocamento temporal, evidente na construção estética e na citação ao acontecimento astronômico, não só no título, mas nas conversas em cena, encontra a ruptura quando o tema tratado se esclarece.
Há 32 anos, muito mais do que isso, na verdade, o poder da mulher sobre o seu próprio corpo ainda é o mesmo: inexistente. Em uma clínica, uma secretária e uma médica recebem uma nova paciente. O cuidado com a discrição do lugar, as precauções ao passar informações e o modo como o pagamento é efetuado determinam a clandestinidade do que acontece ali dentro.
No Brasil, o aborto é considerado crime, com pena de prisão para a mulher grávida e de reclusão para o profissional que o realiza. As únicas possibilidades de realizar um aborto legal é quando a gravidez oferece risco à vida da mulher, quando é resultado de um estupro ou se o feto for anencefálico. Distante de uma longa via crucis judicial para abortar dentro da lei, não há qualquer respaldo para mulheres que, por qualquer outra razão que seja, não querem continuar com uma gravidez. Estas precisam buscar lugares como aquela clínica para realizar o procedimento.
A diretora Juliana Rojas constrói a história com muita delicadeza e cuidado. No jogo cênico, há acolhimento àquelas personagens e respeito por suas intimidades. E há também tradução de um sentimento. Toda a complexidade que está por trás de um aborto chega em falas contidas que explicitam o medo e a insegurança no ato em si. Chega também, e atinge o seu ápice, em forma de música.
Rojas faz parte de uma geração de cineastas brasileiros que enxerga nas canções um caminho diferente para construir a narrativa. Através delas, em melodia e letra, aprofunda seus temas e provoca sentimentos. Ali naquela maca, dopada pela anestesia, têm-se acesso ao que se passa em situações como essa, vai-se da pressão social à individual culpa católica, do medo simples à perda real. “Eles nem vão notar que falta alguma coisa em mim”, diz a canção em contraponto a todo um turbilhão de sentimentos que estão sob aquela mesa de cirurgia. Em contraponto também à chegada inesperada de uma outra paciente.
A Passagem do Cometa acerta no ponto ao olhar para a permanência de atitudes estimuladas por uma sociedade patriarcal, onde o homem é sempre privilegiado diante da mulher, onde vidas valem menos ou mais de acordo com o gênero. Num momento em que se prega o Estado mínimo, destaca-se o quanto as pessoas, hipócritas em boa parte, gostam de definir a vida individual dos outros. A frase constatação da personagem, “como se meu corpo não fosse meu” não é só dela, é de todas.
E, assim como era em 1986, foi em 2017, quando o curta foi lançado e mantém-se até hoje, sem qualquer previsão de mudança. Como será que vai ser 2061, quando o cometa voltará?
A Passagem do Cometa foi produzido como parte da série O Som e o Tempo, produzida pelo Canal Brasil em parceria com a produtora Dezenove Som e Imagens.
Um Grande Momento:
A conversa após a anestesia.
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