A polêmica escolha do filme brasileiro para o Oscar 2017

Polêmica. Esta é a palavra que traduz a escolha pelo filme que representará o Brasil no Oscar de 2017, a ser anunciada na próxima semana. Com a atual conjuntura política do Brasil, não seria diferente. Assim que a presidente eleita Dilma Roussef foi afastada do cargo, o vice-presidente, Michel Temer instalou um governo interino no mínimo contestável. Com atitudes de novo governo, extinguiu o Ministério da Cultura, órgão responsável pela escolha do título, como uma de suas primeiras medidas.

Com ocupações em vários prédios do ministério por todo o Brasil e uma pressão considerável de parte de agentes culturais e da própria sociedade, a decisão não durou muito tempo e o órgão foi recriado dias depois. Para assumir a pasta, o escolhido foi o diplomata e ex-secretário da cultura do município do Rio de Janeiro Marcelo Calero. A secretaria de audiovisual foi entregue então a Alfredo Bertini, responsável, junto com sua esposa, pela realização do Cine-PE, festival de cinema pernambucano.

A legitimidade de ambos, questionada até que Dilma Roussef fosse definitivamente afastada do cargo pelo Senado Federal, em uma conjunção de fatores que notoriamente tem cunho de golpe político, segue sem ser aceita por muitos. Mas são essas as figuras que vão escolher a comissão que definirá qual filme brasileiro representará o Brasil na disputa do Oscar

Comissão de seleção

Como é praxe, uma comissão de seleção com representantes do meio cinematográfico foi formada para proceder a escolha. Indo além de toda a rejeição ao processo, já que há um contrassenso político, um dos escolhidos para integrar a seleção foi o crítico de cinema Marcos Petrucelli. Nada que fosse estranho já que ele e Bertini têm uma amizade de longa data, mas reações do crítico a um dos filmes concorrentes transformou a situação.

O filme concorrente, como já se deve saber, é o longa-metragem Aquarius, do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho. Único representante do Brasil a concorrer à Palma de Ouro em Cannes, o que por si só já é uma distinção imensa, o filme ganhou inimigos pelo protesto de sua equipe durante a passagem no tapete vermelho. Com o ministério extinto e o governo interino fazendo e acontecendo, o mais importante festival de cinema do mundo, era o palco perfeito para uma manifestação do gênero.

Após o protesto, televisionado e veiculado nos principais jornais do mundo, Petrucelli fez questão de desmerecer, em seu Facebook, o longa-metragem que nunca assistira e acusar a equipe lá presente. Entre as mentiras que falou, disse que todos que lá estavam tinham sido bancados pelo Governo Federal. Como crítico de cinema, todos nós sabemos que o governo fornece sim uma verba para representação em festivais internacionais de grande porte, mas que a verba limita-se a uma ou duas, no máximo três, pessoas de cada produção.

Tirando poucas pessoas da equipe de um outro filme também selecionado para o festival, que trabalharam em Aquarius, A grande maioria das pessoas que ali estavam tinham pagado as passagens de seus próprios bolsos e estavam dividindo os apartamentos com outros. Do mesmo jeito que qualquer pessoa consegue fazer para cobrir o festival.

Petrucelli sabe disso, sabe como funcionam as coisas, mesmo assim fez questão de alardear inverdades, que hoje estão presentes nos discursos de muitos dos comentaristas políticos que escrevem em blogues de revistas de renome ou de odiadores do governo eleito.

Obviamente a repercussão não foi tão grande quanto a reação negativa gerada pelo protesto, mas, de algum modo, colaborou para um pretenso boicote ao filme, que realizado com verba pública, por um público que nunca, jamais, se aproximaria das salas de cinema para vê-lo

Suspeição

Mas o problema é mais grave do que isso. Uma pessoa que já formou uma opinião sobre determinada coisa, que se encontra tão abalado politicamente, a ponto de achar que um filme não presta pela atitude de sua equipe na passagem de um tapete vermelho, não está em condições de julgar se esse filme pode ou não representar o país em qualquer disputa que seja.

Se fosse em um tribunal, segundo o direito vigente no país, essa pessoa estaria suspeita para tomar a decisão e não poderia participar dessa escolha. Por mais que se deem desculpas falando que ele é um só dentre uma comissão de nove pessoas e que sua escolha não influenciaria nada, o simples fato dessa presença já desqualifica o grupo. Há um vício na composição e não há desculpa que mude isso.

Foi contra essa presença, e contra um processo de seleção que não tem legitimidade, segundo os realizadores, que filmes de grande destaque no ano, como Boi Neon e Para Minha Amada Morta, foram retirados da disputa por seus diretores, Gabriel Marcaro e Aly Muritiba, respectivamente. Outro forte concorrente, Mãe Só Há Uma, de Anna Muylaert também abandonou a disputa, mas não só por enxergar a ilegitimidade do processo, como por acreditar que não há que haver competição com Aquarius, o melhor dentre todos os concorrentes, segundo a diretora.

Concorrente natural

A ideia de Muylaerte é a mesma de várias pessoas que consideram Aquarius o concorrente natural deste ano, coisa que Petrucelli diz não existir, mas existe sim. Usando um levantamento rápido feito pelo crítico Chico Firemann, o filme têm um histórico que o coloca nesta posição: a carreira e o reconhecimento do diretor Kleber Mendonça Filho; o protagonismo de Sônia Braga, a atriz brasileira mais conhecida fora do país; a participação na principal mostra competitiva de Cannes; os diversos elogios pela imprensa mundial; uma nota de 85 no Metacritic; o fato de ser o filme brasileiro mais comentado do ano, e de ter feito, em seu primeiro final de semana, 55 mil espectadores.

Para explicar melhor os 55 mil espectadores, já que outros filmes tiveram estreias mais expressivas em números absolutos. Aquarius estreou em menos de 90 salas, em muitas delas não ocupou todas as sessões do dia, mas, mesmo assim, fez uma média de mais de 600 espectadores por sala (foram 55 mil espectadores no total). Para comparação, o outro filme nacional que estreou no mesmo dia foi Um Marido para Minha Mulher, com Ingrid Guimarães no elenco. Este estreou em 450 salas e teve um total de 127 mil espectadores no mesmo período, ou seja, pouco mais de 280 espectadores por sala. Isso tudo faz de Aquarius a melhor estreia nacional do ano, atrás apenas da versão cinematográfica da novela Os Dez Mandamentos, da Record.

A lista final de concorrentes

Mas, apesar de ser o mais óbvio na escolha, além de Aquarius, há alguns dois ou três bons títulos nacionais na disputa pela vaga que pode levar um filme brasileiro novamente ao Oscar, coisa que já não acontece há um bom tempo.

O encerramento do período de inscrições aconteceu na última semana e a lista de filmes concorrentes acabou ficando com dezesseis títulos. São eles:

A Bruta Flor do Querer, de Andradina Azevedo e Dida Andrade
A Despedida, de Marcelo Galvão
Aquarius, de Kleber Mendonça Filho
Até que a Casa Caia, de Mauro Giuntini
Campo Grande, de Sandra Kogut
Chatô – O Rei do Brasil, de Guilherme Fontes
Mais Forte que o Mundo, de Afonso Poyart
Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisario Franca
Nise – O Coração da Loucura, de Roberto Berliner
O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum
O Roubo da Taça, de Caito Ortiz
Pequeno Segredo, de David Schurmann
Uma Loucura de Mulher, de Marcus Ligocki Jr.
Tudo que Aprendemos Juntos, de Sérgio Machado

A escolha da comissão será anunciada na próxima segunda-feira, dia 12 de setembro. O processo é correto? Não. A escolha será justa? Não se sabe. Mas é o que temos para hoje.

Sair da versão mobile