Bill Morrison e a preservação do cinema

Produzido em 2016 e exibido na mostra Horizontes do Festival de Veneza, o documentário Dawson City: Tempo Congelado foi projetado na 13ª CineOP nesta sexta-feira, 15, no Cine Vila Rica como um dos principais destaques da programação. O seu realizador, o americano Bill Morrison, veio a convite da Mostra. Presença oportuna, pois todo o seu cinema é pautado pelo experimentalismo com imagens que poderiam se perder para sempre, não fosse o empenho de restauradores.

Nesta manhã de sábado, 16, Bill Morrison ministrou a masterclass “Processo de Criação, Pesquisa e os Arquivos Digitais”, com mediação de Ines Aisengart Menezes, curadora da temática Preservação. Nele, o realizador exibiu, integralmente e parcialmente, os títulos que compõem a sua obra, esta pautada por intenções originadas de uma única cena, um único título, uma única coleção, um único arquivo e também de fontes variadas.

Em Outerborough (2005), por exemplo, Morrison reutiliza um curta-metragem de 1899, Across Brooklyn Bridge, com split screen, à esquerda exibindo o registro original e à direita trazendo uma perspectiva traseira da ponte. Ao final, as imagens parecem se mesclar diante dos nossos olhos. O mesmo ocorre com o seu Release, de 2010, no qual vemos em looping a saída de Al Capone de uma penitenciária na Filadélfia para ser transferido a Chicago.

Em coletiva à imprensa realizada à tarde, o Cenas de Cinema perguntou ao artista sobre o que o preocupa quanto à conservação de arquivos digitais em tempos de transição da película para o formato. “Não é um problema do digital x analógico. A comunicação digital torna tudo isso possível. Possibilita a minha pesquisa, o meu cinema, o fato de eu estar aqui e ser gravado por vocês e tudo o mais o que acontece nesta sala em que estamos. O cerne da questão me parece se nós nos preocupamos apenas em tornar algo disponível agora ou em preservá-lo para as próximas gerações. É difícil falar sobre gastar dinheiro hoje para assegurar algo para o futuro.”

Outro elemento forte em seu trabalho é como a música opera quase como um personagem. Após obter uma versão em película que seria descartada por estar totalmente deteriorada de The Bells, o diretor fez uma junção de trechos para compor Light Is Calling, de 2004. O resultado é pura poesia, muito por mérito da dramática composição de Michael Gordon, um dos frequentes colaboradores de Morrison, que também teve em seus filmes o envolvimento de nomes como Philip Glass e o falecido islandês Jóhann Jóhannsson (A Teoria de Tudo, Sicario: Terra de Ninguém).

“Eu geralmente sugiro tópicos de um título e assim o músico faz tudo fluir”, compartilha Morrison sobre a dinâmica com os músicos. “Conversamos por algumas semanas, com eu transferindo prévias do que faço e vice-versa. Vamos trabalhando com rascunhos. Ao final, o compositor tem algo completo que insiro ao meu último tratamento. Isso é comum. Dawson City: Tempo Congelado foi realizado do modo mais tradicional possível. Alex Somers tinha esboços da música e quando apresentei o documentário finalizado, ele refez tudo. É algo único para mim. Geralmente deposito 50% da influência narrativa aos compositores”.

Ao final, o Cenas perguntou se há de sua parte o interesse em lidar com registros contemporâneas em algum projeto futuro. Morrison diz que o seu próximo documentário em longa-metragem será similar a Dawson City, desta vez tratando de um período histórico não tão distante do nosso. “Há dois verões atrás, um barco de pesca islandês cavou o fundo do oceano. Ele puxou a sua rede e as pessoas a bordo se depararam com um rolo de um filme russo. Não era raro, de 1968, estrelado por Mikhail Zharov, astro da era comunista morto em 1981.”

Fotos: Beto Staino

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