A coletiva de Pecadores reuniu Ryan Coogler, Delroy Lindo, Wunmi Mosaku, Miles Caton e, depois, Michael B. Jordan em uma conversa que demonstrou por que o longa se tornou um dos grandes títulos do ano. Coogler abriu o encontro lembrando que o ponto de partida foi a relação com o tio. Ele contou que, após a morte dele em 2015, passou a revisitar discos de Blues. “Eu me peguei ouvindo aquelas vozes para lembrar dele, e percebi que ainda não existia um filme que falasse dessa transformação cultural criada por artistas negros nos anos 1930.” A ideia de mergulhar na origem afetiva e política do Blues veio desse luto.
Delroy Lindo explicou que a construção de Delta Slim começou pelo estudo profundo do gênero. Ele recebeu de Coogler dois livros fundamentais, Deep Blues e Blues People, e mergulhou em gravações de Sun House, Muddy Waters e Howlin’ Wolf. “Eu me deixei encharcar por aquela música. Era o único caminho possível para chegar à verdade daquele homem.” O ator disse que reconheceu no projeto a mesma necessidade de rigor histórico que encontrou em trabalhos como Malcolm X e Da 5 Bloods.
A dinâmica entre Smoke e Annie, vividos por Michael B. Jordan e Wunmi Mosaku, é o eixo emocional de Pecadores. Wunmi lembrou que o vínculo dos dois atores foi construído em semanas de ensaio. “A gente abriu a vida. Sonhos, medos, perdas, tudo. Foi ali que criamos segurança para acessar o amor e o luto que existem entre eles.” A atriz enfatizou que a confiança foi decisiva para cenas como o reencontro na barbearia.
Miles Caton contou sua história para chegar ao papel: estava em turnê como backing vocal da H.E.R. quando alguém na plateia sugeriu que ele deveria fazer o teste para um filme. “Eu nem sabia do que se tratava. Quando descobri que era o Ryan, desabei.” Ele lembra do momento em que recebeu a ligação decisiva. “O telefone dizia Oakland, e eu pensei: não conheço ninguém de Oakland.” Do outro lado estava Coogler, convidando-o para Pecadores.
O elenco foi perguntado sobre por que aceitou um convite de Coogler sem titubear. Lindo respondeu que a resposta está no compromisso do diretor. “Ele humaniza nossos personagens. Desde Fruitvale Station, eu soube que ele tem uma visão e uma ética.” Wunmi completou que só começou a entender verdadeiramente o termo pan-africanismo ao assistir Pantera Negra. “Foi a primeira vez que me senti unida, como negra britânica, à cultura afro-americana e à cultura africana.”
Coogler aproveitou o gancho para falar sobre a relação entre a mitologia e a história. Ele lembrou que, embora tenha viajado à África para pesquisar Pantera Negra, só foi ao sul dos Estados Unidos mais tarde. “Tive que encarar a vergonha que muitos de nós, descendentes da migração, carregamos. Era mais fácil olhar para o continente do que para aquilo que nossos avós viveram.” O diretor concluiu que o Blues, nascido em condições brutais, já era “um mito vivo que nunca havia recebido tratamento mítico no cinema.”
Quando perguntado sobre o monólogo no carro, Delroy Lindo disse que não imaginava que a cena seria tão marcante. “Eu só trabalhava cada momento pela verdade.” Coogler então revelou os bastidores: a sensação de que algo extraordinário estava prestes a acontecer. “Ele ficou possuído”, disse o diretor, descrevendo o instante em que Lindo começou a improvisar um canto que emocionou toda a equipe. Michael B. Jordan manteve a cena viva, estimulando Miles Caton a acompanhar a melodia. “Estávamos todos no carro, com os olhos marejados”, contou Coogler.
Miles também falou sobre seu trabalho musical. Ele aprendeu guitarra ressonadora do zero, guiado por Ludwig Göransson. “A gente saia do set e ia direto para o estúdio. Via músicos como Terry Harmonica e Raphael Saadiq entrarem para criar. Era uma aula sobre a alma do Blues.”
Michael B. Jordan e Ryan Coogler, uma parceria antiga
Mais tarde, já sozinho no palco, Michael B. Jordan falou sobre a longa parceria com Coogler. O ator citou a intimidade e telepatia entre os dois. “A gente se comunica no olhar. Ele sabe quando me empurrar.” Como Jordan também dirige, Coogler pediu que ele deixasse a preocupação técnica de lado para interpretar Smoke e Stack com entrega total.
Ao responder sobre o desafio de viver dois irmãos, Jordan disse que descobriu muito sobre a dualidade humana. “Era como interpretar a consciência e a sombra.” Ele explicou que Stack canaliza a dor pela fala e pelo charme, enquanto Smoke guarda tudo para dentro. Para cenas mais físicas, o time criou rigs (suportes de câmera) complexos, como o “Halo Rig”, uma estrutura com câmeras 360 que permitia capturar as duas versões do personagem em ação.
Em um dos momentos mais intensos, Jordan comentou o impacto pessoal de Pecadores. “Isso aqui é uma carta de amor para minha avó, para meus antepassados. Caminhar nos campos de cana e algodão carregava um peso ancestral.” Sobre a recepção apaixonada do público, ele disse que sente esperança. “As pessoas querem originalidade. Querem essas histórias. Foi lindo ver gente voltando ao cinema quatro, cinco vezes.”
Questionado sobre o que desejava que o público levasse do filme, Jordan resumiu com simplicidade. “Quero que riam, chorem, se arrepiem. Quero que vejam humanidade, mesmo naquele período brutal. Quero que sintam que havia sonhos, arte, desejo por liberdade. Que enxerguem as vidas negras como complexas, vastas, inesgotáveis.”
A coletiva terminou com aplausos virtuais, e Delroy Lindo aproveitou para fazer um último comentário sobre o impacto da música criada para o filme. “É um milagre conseguir equilibrar a vibração dos anos 1930 com o ouvido do século XXI. Isso é parte da genialidade do Ryan.” A frase resumiu toda a conversa. Pecadores não revisita apenas o passado, o reconhece como mito vivo.