Cafarnaum

(Capharnaüm, LIB/EUA, 2018)
Drama
Direção: Nadine Labaki
Elenco: Zain Al Rafeea, Yordanos Shiferaw, Boluwatife Treasure Bankole, Kawsar Al Haddad, Fadi Yousef, Haita ‘Cedra’ Izzam, Alaa Chouchnieh, Nadine Labaki
Roteiro: Nadine Labaki, Jihad Hojeily, Michelle Keserwany
Duração: 121 min.
Nota: 7

Em qualquer canto, miséria.

Biblicamente, Cafarnaum foi uma das principais bases de ministério de Jesus. Lá o filho do deus dos cristãos pregou, exorcizou e curou, mas o afastamento do povo fez com que amaldiçoasse a cidade. “E tu, Cafarnaum, que te levantaste até ao céu, até ao inferno serás abatida” (Lucas 10:15). A cidade em ruínas está em Israel, mas a diretora Nadine Labaki encontra na maldição um meio de explorar a miséria de um mundo onde a fé predomina guiando ações e condenando na determinação de realidades.

A Cafarnaum da diretora é a capital do Líbano, Beirute, nos dias de hoje. Lá amontoam-se os abandonados pelo Estado, os invisibilizados pela sociedade: pobres, desvalidos e imigrantes. As leis que imperam no ambiente são próprias, as oportunidades inexistentes. Tudo muito carregado, mas de um exagero que sabe-se perfeitamente real. O melhor do filme de Labaki está nisso: a constatação da realidade daquele universo que é exposto, o incômodo que se opta por não ter.

Durante boa parte do tempo, há exposição, mas não apelação naquilo que Cafarnaum mostra. As situações são extremas, as realidades muito díspares, mas Labaki e Christopher Aoun, seu diretor de fotografia, fogem da gratuidade das imagens e da manipulação mais fácil. O trabalho de construção de planos é todo pensado em criar, de maneira observacional, aproximação e distanciamento, em contraposição à câmera na mão que dita o ritmo e busca essa ansiedade necessária para a construção da narrativa. O trabalho é reforçado pela montagem frenética de Konstantin Bock.

Na exploração do choque pelo visual ausente e alternativo, há claramente um modo escolhido para ressaltar a miséria que se contrapõe ao melodrama, pelo menos até a parte final. Lá, Labaki não tem muito o que fazer. A Cafarnaum moderna está dada, a cidade – e a sociedade – abatida “ao inferno”, exposta. O pequeno Zain, em interpretação impressionante de Zain Al Rafeea, trouxe todos para o seu lado e é preciso chegar a algum ponto com tudo aquilo que foi construído.

É quando o filme escorrega na impossibilidade de solução e na dificuldade de futuro para onde caminham histórias como essa. Se a construção dos personagens satélites já era problemática pelo olhar preconceituoso a alguns deles, como os pais de Zain, o desfecho no roteiro é um deslize ainda pior, que cria uma realidade infantil impossível e se entrega à tentativa de guiar o espectador às lágrimas, assumindo o movimento manipulador que evitara até então. O real se perde e troca-se o jogo de exposição/reação para o de manobra/reação.

Ainda assim, é impressionante o modo como Labaki acessa aquela realidade e, ao acompanhá-la na figura de duas crianças perdidas no mundo, desperta a empatia que falta ao ser humano. O evitar da apelação no modo como alcança o cruel, reencenando o cotidiano de milhares de pessoas, na maior parte do filme, é um trabalho que merece destaque.

E o que Cafarnaum traz e deixa com o espectador é a inércia de poucos e a miséria muitos. Uma realidade condenada e sem solução.

Um Grande Momento:
Identidade.

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