Culpa

(Den skyldige, DEN, 2018)
Suspense
Direção: Gustav Möller
Elenco: Jakob Cedergren, Jessica Dinnage, Omar Shargawi, Johan Olsen
Roteiro: Gustav Möller, Emil Nygaard Albertsen
Duração: 85 min.
Nota: 7

Dentre as características mais instigantes da arte está a capacidade de alteração do objeto artístico dada a experiência de vida daquele que o observa, a história individual que vivências e valores alheios ao autor permitem concretizar. Isso serve para qualquer arte, da pintura à música, da fotografia à arquitetura, da literatura ao cinema.

Como outras, o audiovisual tem uma especificidade: ainda que encontre suas versões individualizadas em sensações, ideologias e interpretações, há muito da constituição preenchido e direcionado pelo ideário do cineasta. Os sentidos são estimulados de maneira calculada para alcançar um objetivo. A construção é concreta, está diante dos olhos, diferente da liberdade que um livro oferece, por exemplo.

É incrível quando o cinema subverte sua marca e entrega a possibilidade criativa ao espectador, como acontece no longa dinamarquês Culpa, de Gustav Möller. O diretor, baseado na história simples de uma chamada para a central de emergência da polícia, roteirizada por ele e Emil Nygaard Albertsen, deixa o espaço livre para a construção visual e sensorial de uma história que não será a mesma para nenhuma das pessoas que assiste ao filme.

A técnica, utilizada pontualmente em outros filmes, principalmente no cinema fantástico e de terror, com ênfase na construção do suspense, é perfeita para a construção de quadros que só existirão na cabeça daquele que é provocado. No caso de Culpa, o que se vê no confinamento do policial Asger Holm (Jakob Cedergren), ali colocado como punição por um desvio de conduta, e os sentimentos compartilhados com o personagem, todos instigados por uma narração imprecisa de quem está do outro lado da linha ganha relevância, ganha uma conotação individual, e, só por isso, é muita coisa.

Para falar da força do longa dinamarquês, é possível voltar a um exemplar muito parecido do gênero, o norte-americano Chamada de Emergência (2013), de Brad Anderson. Neste, a operadora da central de emergência, vivida por Halle Berry, se depara com um sequestro em um shopping. A diferença é que Anderson traz a sua própria versão do sequestro, que abre o filme, e do desenrolar da ação. Ainda que consiga sustentar a tensão, o envolvimento é, de certo modo, superficial justamente por ser guiado.

Ao subverter essa necessidade de exibição, Möller permite que o espectador crie não só as circunstâncias que originaram a chamada, mas todas as personagens nela envolvidas. O que se narra é entregue para que realidades díspares se formem. Temos vozes, indícios, e não as representações fechadas de Abigail Breslin e Michael Eklund na composição da cena.

O movimento, arriscado mas bem sucedido, porém, precisaria de um ambiente acolhedor e instigante, o que é bem realizado por Möller, em jogos discretos de luzes, espaços e num trabalho correto de som. Além disso, ter Jakob Cedergren, em ótima atuação, como aquele que provoca reações ao externar as suas também é fundamental para o resultado.

Num lugar diferente, onde toda a sua força está no não mostrar, Culpa encontra o thriller que muitos outros filmes de suspense tentam alcançar sem sucesso. Um longa simples, que provoca e tira quem o assiste do local cômodo onde se costuma ficar. Indicado pela Dinamarca para representar o país no Oscar e escolhido como a melhor ficção do 6º BIFF – Festival Internacional de Cinema de Brasília, é um dos filmes mais interessantes da temporada.

Um Grande Momento:
Aos mãos sujas de sangue.

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