Ficção científica
Criador: Baran bo Odar, Jantje Friese
Temporada: 1-2
Elenco: Karoline Eichhorn, Louis Hofmann, Jördis Triebel, Stephan Kampwirth, Maja Schöne, Tamar Pelzig, Oliver Masucci, Andreas Pietschmann, Moritz Jahn, Peter Benedict, Deborah Kaufmann, Christian Hutcherson, Lisa Vicari, Paul Lux, Gina Stiebitz, Will Beinbrink, Daan Lennard Liebrenz, Carlotta von Falkenhayn, Mark Waschke, Leopold Hornung, Julika Jenkins, Christian Pätzold
Duração média: 60 min.
Canal Netflix
[/box-novo]
“A viagem no tempo é possível em uma região do espaço-tempo onde há anéis de tempo, trajetórias que se movem abaixo da velocidade da luz, mas que, mesmo assim, conseguem retornar ao local e tempo iniciais por causa da deformação do espaço-tempo”. As palavras de Stephen Hawking parecem confusas – elas estão brilhantemente explicadas em seu livro “O universo numa casca de noz” e fazem mais sentido quando lá lidas -, mas estão na maioria das ficções científicas atuais sobre viagens no tempo.
Enquanto o cientista teoriza sobre buracos negros e caminhos de minhoca no espaço-tempo misturando Einstein, física semiclássica e relatividade quântica, roteiristas aplicam essas teorias em passeios entre presente, passado e futuro. Assim como fazem Baran bo Odar e Jantje Friese na série alemã Dark, que chega amanhã a sua terceira temporada.
A trama de Dark é instigante por demorar a se entregar. São muitas idas e voltas que trazem apenas suspeitas sem certeza nenhuma. Eventos banais e graves vão conectando-se aos poucos e estimulam a criação de hipóteses por aqueles que a assistem. E há todo um trabalho de lapidar a narrativa, pelo menos na primeira temporada, para que a dúvida se mantenha até o último episódio.
A série também faz um estudo cuidadoso de teorias temporais, dando pequenas provas em detalhes. Saindo do Sic mundus creatus est, tirado da Tábua Esmeraldina de Hermes Trismegisto (o homem que dizia possuir as três partes da filosofia universal) e tatuada nas costas de Noah à triquetra, símbolo que vai do paganismo ao cristianismo, representando a santíssima trindade neste e o infinito nas três dimensões naquele, as ligações passam também por Nietzsche e seu eterno retorno. É um passeio de encher a cabeça, os olhos e os ouvidos.
Ainda que a trama vá buscar elementos de maior apelo para a continuidade narrativa, como relações amorosas e familiares que facilitam os ganchos para os próximos episódios, há uma elaboração fina nas referências, com associações nem sempre óbvias e que tornam a série ainda mais interessante aos amantes de mitos. Por exemplo, os eventos estarem ligados pela trinca Jonas, Adam e Noah, em nomes bíblicos que representam fases como a espera, a criação e a destruição, respectivamente; ou a dicotomia da mitologia grega entre os senhores do tempo Cronos – aquele que rege o destino – e Chronos – o deus do infinito -, em Jonas e Adam.
A trilha sonora também não fica atrás, começando com “My Body Is a Cage”, de Peter Gabriel e chegando a Nena com “Irgendwie, Irgendwo , Irgendwann”, uma das canções mais ouvidas na primeira temporada. “Caindo através do espaço e do tempo em direção ao infinito, as mariposas voam para a luz, assim como você e eu” diz a letra.
Embora faça um bom trabalho conectando o caos onde vai mergulhando, é mesmo nesse transitar pelos signos que Dark encontra seu maior destaque porque, como sabemos, a intimidade traz a força e a curiosidade a aumenta. Mas há um outro fator de interesse nos episódios: o modo como isso se apresenta naturalmente, sem que soe forçado ou deslocado.
Voltando ao drama, no seu embrenhar nos tempos presente, futuro e passado, Dark precisa construir várias conexões pessoais e aí nem sempre está a citada naturalidade com que consegue temperar sua história. Embora tenha uma atenção especial ao seu protagonista e consiga estabelecer sua trama, algumas passagens são repetitivas ou pouco interessantes, assim como alguns personagens não conseguem desenvolver em quem assiste à série a mesma empatia do que outros. Há também, como é natural em narrativas com muitos núcleos, um desequilíbrio no aprofundamento em alguns deles, com figuras que surgem como relevantes, mas depois desaparecem, ou o contrário.
Uma outra questão vem com aquele problema de novas temporadas. O que era contido e equilibrado abre-se para tantas opções e reviravoltas que o vínculo estabelecido tem dificuldades para se manter. É como um desaguar de tudo que esteve na cabeça dos criadores mas não cabia na primeira temporada, e o excesso prejudica, sem dúvida.
Mas, ainda assim, Dark consegue se equilibrar, mantendo o estranhamento e as dúvidas que tão bem fazem à história. O sistema de manutenção dos fãs é eficiente e sobra, sem dúvida, muita curiosidade pelo que vem pela frente. O final da segunda temporada, propositalmente inexplicado, garante o retorno.
Mais do que paradoxos temporais e o carisma de temas sobre viagens no tempo, há muito cuidado, elaboração, hipóteses e teorias nunca comprovadas. Que venha logo a terceira temporada!
O melhor episódio
S01E10: Alfa e ômega