Drama
Direção: Joe Robert Cole
Elenco: Ashton Sanders, Jeffrey Wright, Yahya Abdul-Mateen II, Andrea Ellsworth, Ashton Sanders, Regina Taylor, Jalyn Hall, Christopher Meyer, Isaiah John, Michael Sadler, Kelly Jenrette, Anthony Cistaro
Roteiro: Joe Robert Cole
Duração: 121 min.
Nota: 5
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A Netflix tem um tem número de título que se passam nas periferias, dos EUA, da França, da Itália, enfocando realidades marginais em torno de minorias de muitos tipos, em sua maioria negros. No caso das produções americanas, parecem todos filhotes de Boyz’n’theHood, o já clássico filme que lançou a carreira do recém falecido John Singleton, e que trouxe uma nova perspectiva ao cinema protagonizado pela população afro-americana desassistida. De 1991 para cá, todas as variações desse conceito foram levadas às telas, e o canal de streaming tem utilizado muito dessa matéria prima para produzir filmes que, se não trazem necessariamente nada de inédito, entretém e são materiais dramáticos que impressionam pelo realismo, em sua maioria.
Dias sem Fim tenta montar uma estrutura diferenciada em cima dos códigos de violência, vingança e criminalidade que vigoram nesse universo. O roteiro do diretor Joe Robert Cole observa os atos prévios às consequências, apresentados na abertura. Condenado a prisão perpetua por um bárbaro duplo homicídio, o protagonista rememora a espiral de eventos que o levaram a enveredar pelos lugares que seu pai já tinha caminhado. Contado com um pé no hoje e outro no flashback, o filme conjuga três tempos no passado para montar o mosaico de mais uma vida periférica destruída por inúmeros processos de falta de oportunidades em cascata.
Protagonizado por Jeffrey Wright (007: Cassino Royale) e pelo ótimo Ashton Sanders (Moonlight), a narrativa escolhida por Cole para estruturar um diferencial poderia ser muito atraente no papel, mas na resolução só deixa Dias sem Fim confuso e sem cadência, indo de um tempo a outro indiscriminadamente e sem apresentar ganchos que deem fluência ao jogo. Talvez para tentar fazer essa mecânica funcionar, é acionada uma narração em off que só consegue incrustar o filme de frases de efeito chamativas e ajuda a dar ainda mais fluxo reflexivo à produção, e induzindo o produto final a carecer justamente da personalidade que tanto buscou.
Além disso, o protagonista Jah é um típico personagem dessa fatia cinematográfica: repleto de contradições. É muito difícil minimamente torcer por alguém que só consegue enxergar os erros e ainda assim escolher cometê-los, por teimosia ou por excesso de “macheza”. Ainda que Dias sem Fim não pinte necessariamente nenhum bom exemplo para Jah e inclusive seja um roteiro que desenvolva esse lugar do legado de crimes sucessivamente passados de pai para filho, todas as suas decisões são tão carregadas de erros óbvios, que a plateia tende a se afastar desse anti-herói que não tentou o suficiente se manter afastado de problemas.
Uma linha de pensamento é ameaçada de ser desenvolvida, abordando a herança de ódio, perseguição, discriminação e extermínio que sofrem os negros na América e em qualquer país que tenha escravizado outros seres humanos. Através de passagens em narração acerca do período quando Jah consegue um trabalho honesto como vendedor, o filme poderia observar essa ótica do problema, aí sim, com rara abordagem. Mas essas colocações não passam de ameaças que nunca conseguem fazer surgir um olhar diferenciado e efetivo ante uma situação histórica que ainda se repete hoje.
Aqui e ali, Dias sem Fim tenta produzir em cena um grupo de imagens que tente reverberar sua potência dramática, mas também isso não se concretiza enquanto projeto; é mais um grupo de expectativas que o filme apresenta e que não chegam a florescer, como do plano-sequência de 4 minutos, tão modesto quanto as intenções do todo. Quando a imagem do pai de Jah reaparece na cadeia sem maiores explicações e essa verdade é simplesmente acatada pelo roteiro, ficam claras as intenções medianas do projeto, que pretende apenas o suficiente para criar motivações imediatas a seus personagens e não para reverberar suas trajetórias.
Um Grande Momento:
Bicicletas que se cruzam.