Elizabeth Taylor: As Fitas Perdidas

A mulher e o ícone

Mais uma vez, o peso do registro mostra a sua força na construção de novas narrativas. A riqueza do aproveitamento e transformação de antigas imagens e sons estabelece uma figura que se recupera e também imagina. A voz de Elizabeth Taylor atravessa décadas, carregando o peso e o brilho de quem viveu tudo em excesso. São gravações de 1964, descobertas quase por acaso, onde a atriz fala sobre sua vida pessoal e nos estúdios, misturando franqueza e charme como quem seduz e confessa ao mesmo tempo. O mito recua e surge a mulher, uma jovem que suportou o jugo da MGM desde criança, que aprendeu cedo a usar o olhar como defesa e a presença como arma.

Em Elizabeth Taylor: As Fitas Perdidas, Nanette Burstein transforma essas fitas em espinha dorsal de um documentário que alterna entre arquivo e testemunho vivo. As palavras de Elizabeth costuram lembranças de sets de filmagem que pareciam jaulas douradas, casamentos tão comentados quanto suas performances, amizades que marcaram a luta contra a Aids e que revelam uma lealdade rara, especialmente num meio tão volátil. É impossível não perceber a intensidade que ela imprimia a cada gesto, como se cada instante tivesse de justificar a própria lenda.

A Elizabeth que fala nas fitas não mede o impacto do que diz. Critica a rigidez da indústria, ri dos escândalos que a perseguiam, e também se permite expor vulnerabilidades que dificilmente mostraria diante de uma câmera ligada. O filme encontra sua força na relação entre a figura pública e a mulher que se cansava do papel que lhe era imposto.

A estrutura do documentário é a conhecida do gênero: contextualização, arquivo, montagem de cenas icônicas, depoimentos de familiares e amigos. Burstein não rompe a moldura e mantém a narrativa no território seguro da homenagem. Mas mesmo dentro dessa previsibilidade, a voz de Elizabeth, cheia de textura, se impõe sobre a forma. Ela se torna presença física, quase palpável, nos silêncios carregados e nas risadas curtas que parecem conter histórias inteiras.

Ao final, não é a sensação de proximidade que se destaca. Elizabeth Taylor: As Fitas Perdidas devolve a atriz ao lugar onde sempre esteve, entre o ícone e a mulher, mas sem deixá-la perdida em nenhum dos dois. É um filme que nos lembra por que, em meio a tanto artifício, ainda é possível acreditar que algumas figuras vivem além da tela. E Elizabeth, com sua voz preservada e seu olhar gravado na memória coletiva, continua a se mover como se cada nova escuta fosse um reencontro.

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