Crítica | Festival

Ema

(Ema, CHL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Pablo Larraín
  • Roteiro: Guillermo Calderón, Alejandro Moreno
  • Elenco: Mariana Di Girolamo, Gael García Bernal, Santiago Cabrera, Paola Giannini, Cristián Suárez, Giannina Fruttero, Josefina Fiebelkorn, Mariana Loyola, Catalina Saavedra
  • Duração: 107 minutos

Premiere mundial no site MUBI – espécie de streaming de filmes de arte que disponibiliza um cardápio mensal – o último filme de Pablo Larraín, Ema foi exibido no festival de Veneza no ano passado e traz o novo ator fetiche do diretor chileno, Gael García Bernal, vivendo um relacionamento amoroso e tortuoso com a personagem de Mariana do Girolamo. A atriz, que fez uma apresentação do filme e bate-papo após a exibição do mesmo, que ficou disponível por 24 horas na plataforma, argumentou que “esto es una película sobre liberdad”. Mas sob a perspectiva de quem?

No enredo, uma jovem dançarina trama para alcançar seu ideal de felicidade. Pollo, o filho que adota e devolve é a pólvora que incendeia o casamento dela com o coreógrafo Gaston (Gael García Bernal). Ele por sua vez não faz ideia do que se passa no coração e na mente da mulher com quem dorme. Similitudes estão aparentes com um filme recente, História de Um Casamento, indicado ao Oscar e que trata de um casal de artistas vivendo o colapso da relação tendo um filho no meio. Mas Larraín entra numa espiral vertiginosa a partir do momento em que Ema deixa para trás a companhia de dança e a vida marital.

Mariana do Girolamo em Ema (2019), filme de Pablo Larraín
Foto: Divulgação

De personalidade incendiária, que se apazigua quando quer, para manusear uma mangueira e apagar os seus incêndios, calar seus demônios e assim seduzir para obter a felicidade, Ema rebola e faz passos como que se demarcasse o seu território. Como uma tigresa, ela vai fechando o cerco sob suas presas e esse clima de caça vai sendo construído em camadas tão perturbadoras quanto belas, numa mis en scène coreográfica em tons néon da fotografia acachapante e da trilha do prodígio Nicolas Jaar.

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Após as experiências lisérgicas e perturbadoras com a dança em Suspiria e Clímax, aqui o cinema se serve do ato de dançar como um processo de cura e de auto afirmação da força vital de Ema. Ou mesmo da força primal dela que, cercada pelas seis colegas de companhia, com quem se embrenha em orgias, troca confidências, executa passinhos de reggaeton, e traça um plano maquiavélico para reaver a cria abandonada.

É preciso confessar que a espectatorialidade feminina encontra certa ambiguidade na abordagem dos roteiristas e do diretor, que apresentam Ema como um arquétipo da “mulher sem alma”, com tendências sociopatas. Afinal, dela pouco se compreendem as motivações para além de um anseio da maternidade prometida e não cumprida… Mas o que há por trás? A questão, levantada pela irmã que é vítima das circunstâncias envolvendo a relação de mãe e filho não é respondida – se é que chega a ser satisfatoriamente sugestionada a explicação em si. Faltariam tintas almodovarianas para emprestar mais relevo à personagem, que guardadas as devidas proporções é tão bela e fria quanto as loiras unidimensionais de Hitchcock.

Ema (2019), filme de Pablo Larraín
Foto: Divulgação

O calor fica por conta do lança-chamas que ostenta para reafirma sua verve alucinada porém, por mais que a personagem de Ema não seja passiva na tela, ela condiciona seus atos, seu poder e sua capacidade de arquitetar o caos a partir da exploração da sua sexualidade, o que atende aos anseios do olhar masculino. E essa perspectiva que de certa forma fetichiza a mulher ao potencializar o corpo desta como um instrumento de prazer e dor para os outros personagens se traduz numa escolha no mínimo curiosa de um cineasta que trouxe um olhar tão cuidadoso e cúmplice sobre personagens femininas como na representação da viúva do presidente Kennedy, em Jackie.

De Ninfomaníaca (que também tem uma cena de um carro pegando fogo como expurgação) até essa piromaníaca loira platinada, sem coração e que pisoteia o homem que a ama, como Jane em Paris, Texas, tem-se um retrato com matizes difusas de como as mulheres frustradas são representadas no espectro de uma sensualidade punitiva… E Ema acaba que fascina sem arrebatar, deslumbra pelo visual sem emocionar pela maneira que entrega a jornada da mulher buscando ser livre, amando e sendo amada sem deixar que as amarras sociais a condicionem a uma infelicidade congênita. Mas afinal quem é a mulher que protagoniza e intitula o filme para além de um estereótipo?

Um Grande Momento
“Não sabes como tu és lindo”

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Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
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