Crítica | Outras metragens

Promessa de um Amor Selvagem

Conhecer o desconhecido

(Promessa de um Amor Selvagem, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Davi Mello
  • Roteiro: Davi Mello
  • Elenco: Kelner Macêdo, Ines Bushatsky, Helena Albergaria, Vinicius Neri, Nathalia Ernesto, Raquel Ferreira, Milton Castro, Rose Marie Costa, Ivy Szot, Atilio Rocha, Deborah Perrotta
  • Duração: 22 minutos

O fim de um ciclo e o início de outro. Morte, nascimento, renascimento e os espelhos com que nos comunicamos, para o astral e para o mundano. Promessa de um Amor Selvagem não é um filme de fácil absorção, há uma quebra de narrativa no seu miolo que afasta a construção realista de seus dois tomos, e aproximam a obra dessa experiência tão definitiva quanto fascinante do passamento. Sim, podemos dizer que é esse o seu material de costura – a expectativa com o imponderável, a espera de algo que é inerente a qualquer ser vivo, não estar mais aqui. E o que existe entre o início e o fim, podemos chamar então de vida, a tal. 

Davi Mello tem uma carreira de construção polifônica, no sentido de agregar inúmeras vozes a sua filmografia. Existe um cineasta que veste o fantástico, como em As Viajantes, um que conversa com um naturalismo de desconstrução documental, aquele de Domicílio Incerto, e existe um terceiro que nasce do hibridismo desses dois olhares, o diretor de Um Filme de Ficção Científica. Esse seu novo filme é mais uma dobradura de cinematografia que vemos surgir no horizonte, onde está incluso um hermetismo aparente que não se permite descartar um olhar para o ser humano; a lembrança do Eclipse Solar de Rodrigo de Oliveira me parece uma zona de compreensão. 

O cinema experimental, de maneira genérica, não consegue (ou não tem interesse) em abraçar uma construção de poesia oriunda do naturalismo. Como se abdicasse do indivíduo para se concentrar no formato, essa é uma característica própria da experimentação – se ater ao resultado de sua pesquisa, e menos ao pesquisador. Mello é um cineasta que, não podemos negar, experimenta. Tateando no escuro rumo sempre a uma ideia de cinema do desconhecido, mesmo quando parece desejar o seguro, Promessa de um Amor Selvagem não deixa o espectador indiferente, até porque Mello se preocupa com cada personagem em cena, um forte seu. 

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Promessa de um Amor Selvagem
Cortesia Festival Mix Brasil

Com essa preocupação dividida entre dois pontos que, em tese, não estabelecem intercomunicação, Promessa de um Amor Selvagem resgata em Mello esse interesse pelo que está oculto, por trás das imagens, por trás da narrativa, por trás da criação de um universo. Dessa vez partindo da ideia de duas vertentes, o filme une seus atos através de uma comunicação estabelecida com o oculto, com o que não está em nosso plano, na busca por compreender o porquê de morrer, e o porquê de reviver. O jovem homem do presente e a jovem mulher do passado em comum tem essa certeza – eles não estão mais aqui, mas gostariam muito de entender o porquê do fim. 

Independente do que os abriga de desconhecido, Promessa de um Amor Selvagem quer investigar o que é concreto também. A descoberta de um envolvimento romântico ou uma busca incessante por desvendar o que não deseja sê-lo, nossos protagonistas são obsessivos e inclementes na sua curiosidade. É ela quem move o humano, enquanto ainda estiver nesse plano. Provável que Mello se identifique com esse mergulho capaz de produzir interrogações e revelar suspeitas, abrir portas e descobrir a iluminação. Seu cinema já tem essa capacidade, de nos envolver em esferas impenetráveis para nos tornar parte integrante de mistérios indecifráveis. 

Promessa de um Amor Selvagem
Cortesia Festival Mix Brasil

Enquanto parte integrante de dúvidas existenciais ou de jornadas além-planos, o ser humano busca o encontro que nasça de uma troca de cartas ou de uma troca de vidas. O que evolui a partir desses encontros, aguçando novos sentidos de percepção, motivando uma insurgência na existência, é o que Davi Mello persegue incessantemente, não apenas em Promessa de um Amor Selvagem. Nesse plano ou no outro, investigar as confluências entre quem não se imagina unido, por tempos, por espaços geográficos ou por gêneros. A janela pela qual Bruno adentra é a janela do cinema, e sua curiosidade é uma inspiração para qualquer cinéfilo; corremos riscos todos os dias ao adentrar novos mundos e novas vivências. Façamos nossas escolhas.

Um grande momento
Bruno adentra um novo mundo/filme

[30º Festival Mix Brasil]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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