Enorme

O humor equivocado

O quão equivocado pode ser um filme? Perdido no desculpável lugar da sátira, Enorme, o longa francês da diretora Sophie Letourneur, sem se dar conta sai do machismo vulgar para chegar à misoginia profunda. Usando o tom cômico, mistura silenciamento, apagamento, privação e outras condutas igualmente reprováveis como crítica, mas não consegue em momento algum fazer mais do que o desserviço.

Escrito a quatro mãos, pela própria Letourneur e por Mathias Gavarry, o roteiro vai se afundando nas ciladas que cria para si mesmo. Para começar, estabelece a persona de Claire como uma mulher sem voz e sem possibilidade de interação ao mesmo tempo em que deposita todo um encantamento em Frédéric. Não há apenas o fato de ele falar por ela, apresentá-la e tomar o seu lugar, mas é ele quem fala várias línguas, é ele quem explica o que estão falando e é ele quem sensualiza na cama com a cueca nova.

A anulação de Claire, portanto, não é só do marido para aquele universo criado, mas estimulada como algo menos problemático para o público que assiste ao filme. A sensação, muitas vezes, não é de uma vida em cativeiro, que é a daquela mulher, mas a de alguém que apenas acostumou-se a não fazer nada. E isso é reforçado mais de uma vez com palavras por terceiras pessoas: “Você cuida de tudo na vida dela mesmo, ela nem vai ver” ou “Isso é porque você sempre deixou ele cuidar de tudo para você” — duas frases absurdas e equivocadíssimas, ressalte-se.

Enorme, equivocado de partida, chega a um ponto tão complexo de acinte contextual que é difícil separar qualquer condição personalista para análises mais técnicas. Como mulher, tudo aquilo que vejo — e que acham tão engraçado — me constrange, agride. Consigo perceber a personagem deprimida de Marina Foïs e o expansivo de Jonathan Cohen, e a habilidade de ambos atores, ótimos nos papéis, mas é difícil prestar atenção no que está além do plot surreal, que sai do mal-estar para uma possível virada que não chega a lugar algum.

Como uma piada que talvez fizesse sentido em alguma outra configuração, Enorme é daqueles filmes que a gente assiste sem entender onde quer chegar. Os elementos de contrariedade aos eventos são desconsiderados pelo roteiro como se nunca tivessem existido, o afastamento é desfeito remetendo ao que de mais determinista existe no mundo, a solução do conflito ainda está atrelada ao causador do mal e se há mudança, ela não é evidente. Claire faz aquilo que Frédéric quis que ela fizesse desde o começo do filme, de Ravel ao colostro. E não há valor na crítica que mantém tudo como era antes.

O humor é uma ferramenta poderosa de mudanças, o ridículo expõe e transforma. Porém, e essa é uma questão que rende debates e mais debates, há o limite do ofensivo. Aqui entre nós, até que ponto é engraçado ver um homem que passou a vida falando por sua mulher enganando-a para fazê-la engravidar? O que tem de divertido em um homem achar que pode determinar como uma mulher vai agir com seu corpo porque quem vai cuidar do filho é ele? O que esse tipo de representação pode transformar? O filme não mostra, faz exatamente ao contrário, se distrai e ri disso. Como? não sei. Ou seja, um equívoco! Enorme!

Um grande momento
A médica tirando o marido de tempo.

[11º MyFrenchFilmFestival]

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