Diego Bauer está em seu segundo filme, e a impressão não é essa, nem que ‘Obeso Mórbido’, seu filme anterior, só tem dois anos. Ampliando um leque observacional, sua paleta de intenções enquanto realizador, chegamos à ‘Enterrado no Quintal’ espantados. Porque o cineasta em exposição aqui parece muito mais pronto do que propriamente ele deve estar, tendo em vista sua pouca experiência – pensamento normal inclusive. No entanto, seu novo filme tem muita compreensão de cinema, de construção narrativa e de elaborar uma cartilha pra si que não apenas abdica do que é comumente apresentado aqui, como finca seus pés em espaço do desconhecido com muita propriedade.
E o que é esse desconhecido, se não o espaço que Bauer compreende dentro da estrutura do cinema brasileiro ao observar uma ausência de uma filmografia menos discursiva e mais reativa, e com isso amplificar o escopo de nossa cinematografia. As imagens construídas aqui são desprovidas de paralelos locais, mais dispostas a um entendimento iconográfico do cinema americano setentista, aquela turma que construiu a Nova Hollywood e depois desbravou as décadas seguintes assimilando códigos e desbravando locais inéditos – sociais e imagéticos. Na verdade, o cinema que o diretor dispõe em seu novo filme só seria possível no Brasil, por embaralhar signos com a possibilidade de inaugurar novos, então.
As cores, as luzes, a iconografia corporal impressa em sua protagonista, remete a uma produção que o Brasil não trabalha com regularidade. O naturalismo tão bem explorado no nosso cinema parece uma chave única, e Tiradentes geralmente amplifica essa busca por um dispositivo outro ao agregar não apenas o cinema de gênero fantástico, mas também uma disposição a violência arquetípica, sem traços do mesmo naturalismo característico do cinema nacional. Ao explodir seu material pictórico de vermelho fogo, de neons que rasgam o céu, Bauer está impingindo ao nosso imaginário uma busca de linguagem despadronizada.
No corpo de Isabela Catão está o discurso de ‘Enterrado no Quintal’ e a atriz resolve essa falta de verbalização com um propósito claro de se posicionar como agente causador da ação que o filme a incumbe. Seu corpo é máquina que impunha as decisões de sua personagem – cavar, limpar, pilotar uma motocicleta, vagar pela noite de peito aberto, ainda recebendo novas e desconhecidas informações. Do início ao clímax, Isabela é instinto e corporalidade inteira na tela, tomando as rédeas do estranhamento ao seu redor para executar, realizar a tarefa e zerar suas pendências, e a partir daí então seguir.
Em sua curta duração, Bauer apresenta essa disposição para agregar corpos em movimentos difusos, que confundem tanto quanto esclarecem. Nesse sentido, seus dois filmes dialogam muito, embora tenham matizes diferentes para incorporar suas narrativas, porém ambos apresentam o material corpóreo como massa definidora de poder, em conflito consigo mesmo ou com o outro. Nesse sentido, o diretor busca comunicação com um cinema de fisicalidade, esse sim realizado no país. Mas suas bases são essa justaposição entre o orgânico e o material (corpo-máquina) através desse encontro entre a pessoa representada e a tarefa que ela executa, e a emolduração do seu caminho.
Em determinado momento, o próprio Bauer invade o plano e também representa a disposição corpórea em confronto. Sua presença em cena, na apresentação que constitui, equivale a um mostruário do que seu cinema está pretendendo para discussão – o corpo se expande nos espaços, os ocupa, os domina e, por fim, se retrai para um estado de relaxamento.
Um grande momento:
Cara a cara.
[24ª Mostra de Cinema de Tiradentes]