Estreia de Eva Victor na direção, Sorry, Baby arrebatou o público em Sundance e faz parte da seleção da 49ª Mostra de São Paulo. O filme aborda o trauma sexual e o longo processo de cura com delicadeza, optando pelo caminho do silêncio, da intimidade e da amizade ao invés de mostrar a violência. Com muito afeto, escuta e reflexão, Victor falou sobre a obra em coletiva internacional.
“Quis contar uma história sobre tentar se curar de algo muito difícil e sobre a amizade que salva a vida”, disse, explicando que queria um filme que não transformasse o trauma em espetáculo. “Me interessava mostrar o que vem depois, os anos perdidos; esse tempo glacial em que todo mundo olha pra outro lado e você fica tentando entender o mundo de novo.”
Eva contou que pensou a narrativa como um retrato desses “anos perdidos” e estruturou o longa em capítulos, acompanhando o ritmo lento da recuperação. “O filme é sobre o processo de cicatrização, não sobre a ferida”, resumiu.
Falando sobre o tom de Sorry, Baby, Eva destacou o desejo de acolher o público sem suavizar a verdade. “Eu queria que o filme segurasse a mão do espectador. Que fosse um abraço, mas um abraço verdadeiro. Não queria dourar a pílula, só garantir que a dor fosse contada com cuidado.” A escolha por um humor discreto e pela alternância entre drama e leveza nasceu desse equilíbrio: “O humor é minha forma natural de me aproximar da dor. Eu não conseguiria escrever um drama puro.”
A importância de tratar o trauma pela perspectiva de quem congela diante da violência, e não apenas reage com luta ou fuga foi citada. “A cena do abuso é filmada de fora da porta porque eu queria ficar com Agnes, sentir o que está sentindo. O congelamento é uma resposta real ao trauma e, ali, o beijo que vem depois é uma tentativa de sobrevivência, não de consentimento.”
Durante a conversa, Victor falou ainda sobre a estrutura não linear e o papel da amizade entre Agnes e Liddy, núcleo emocional da narrativa. “Queria que o filme começasse com amor, para que o público se apaixonasse por essas duas pessoas antes de saber o que aconteceu. A história delas é o coração do filme. O ápice não é a violência, é o abraço na banheira.”
A relação com o espaço também foi destaque. Filmado quase todo em um chalé isolado, o longa traduz a oscilação entre solidão e refúgio. “A casa representa esse limbo: é um abrigo, mas também uma prisão. A personagem quer sair, mas tem medo. Quer viver, mas se protege do mundo.”
Victor, que também assina o roteiro e atua como Agnes, disse que se dirigir teve um significado especial. “Esse é um filme sobre alguém que perdeu o controle sobre o próprio corpo. Estar por trás da câmera e decidir onde meu corpo iria em cada cena foi profundamente curativo. Era simbólico: eu finalmente estava no comando.”
Entre risadas, contou que o gato que aparece no pôster é inspirado em sua própria experiência. “Esse detalhe é autobiográfico. Animais nos ensinam muito sobre consentimento. Você toca um gato e ele te mostra imediatamente se quer ou não. É uma lição de respeito e um reflexo da história.”
Eva também falou sobre o processo de edição e o desafio de cortar cenas queridas. “O filme começa a respirar sozinho. Ele te diz o que precisa ficar e o que precisa ir embora. É doloroso, mas necessário. A estrutura final – os capítulos, a passagem do tempo — reflete essa escuta.”
Ao comentar a recepção do público, Victor se emocionou ao lembrar da estreia em Sundance. “Era a primeira vez que o filme era exibido para tanta gente. Eu suava de nervoso, mas quando as pessoas começaram a rir logo nos primeiros minutos, percebi que estavam comigo. Esse equilíbrio entre riso e dor era tudo o que eu queria.”
Entre as referências que a influenciaram, citou Certas Mulheres, Oslo, 31 de Agosto, 45 Anos e Moonlight, obras que, como afirma, lidam com o sofrimento de forma silenciosa, íntima. “São filmes que não gritam, mas permanecem. Quis fazer algo assim.”
No fim da conversa, Eva resumiu o espírito do filme com a serenidade de quem ainda processa o impacto da própria estreia: “Sorry, Baby é sobre sobreviver, mas também sobre aprender a ouvir. Sobre entender que cura não é esquecer, é continuar existindo, mesmo quando o mundo parece distante.”