Fausto

(Faust, FRA, 2010)
Drama
Direção: Aleksandr Sokurov
Elenco: Johannes Zeiler, Anton Adasinsky, Isolda Dychauk, Georg Friedrich, Hanna Schygulla, Antje Lewald, Florian Brückner, Maxim Mehmet, Katrin Filzen, David Jonsson
Roteiro: Aleksandr Sokurov, Marina Koreneva, Yuri Arabov
Duração: 134 min.
Nota: 7 Poucas histórias são tão conhecidas pela capacidade de povoar o imaginário popular como aquela que relata a tragédia de um cientista desiludido que faz um pacto com o demônio. Essa famosa lenda germânica, bem como o nome Fausto, foram utilizados por diversos romances de ficção nos últimos séculos, sendo o mais famoso deles o escrito por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), um dos mais importantes autores da literatura alemã.

Além das muitas versões literárias conhecidas desde o século XVI, famosos poetas e escritores como Puchkin, Paul Valéry, Fernando Pessoa e Thomas Mann recontaram a famosa história. A música clássica foi pródiga em grandes composições épicas destinadas à Fausto, concebidas por nomes como Wagner, Berlioz, Schumann, Liszt e Gounod. E como se pode imaginar, não faltaram tantas outras manifestações artísticas contemporâneas revivendo a lenda, incluindo óperas, espetáculos teatrais, histórias em quadrinhos e até mesmo álbuns de heavy metal.

O cinema também não poderia ter deixado de contar essa história. Faust – Eine Deutsche Volkssage (1926), de F. W. Murnau, título obrigatório para qualquer cinéfilo de carteirinha, é um dos maiores clássicos do expressionismo alemão. O artista surrealista checo Jan Švankmajer também fez a sua versão, Faust (1994), que utilizou marionetes e influenciou cineastas como Tim Burton e Terry Gilliam. Até mesmo uma versão tupiniquim surgiu pelas mãos do recentemente falecido Carlos Reichenbach, Filme Demência (1986).

E o que dizer da mais recente versão cinematográfica para a tragédia do Dr. Fausto? Hollywood, habituada a criar versões infames para grandes clássicos, ainda não se apoderou da história imortalizada por Goethe. De fato seria difícil imaginar como um filme de lógica mais comercial poderia ser fiel às incontáveis sutilezas temáticas e estéticas que um clássico como este exigiria. Talvez por isso o nome do russo Alexandr Sokurov tenha sido tão bem recebido quando sua versão de Fausto foi anunciada para concorrer ao Leão de Ouro em Veneza 2011, prêmio que acabou ganhando. Afinal quem melhor que o discípulo de Andrei Tarkovski, o mais espiritual dos cineastas, para contar uma sensível história de um cientista que assina um diabólico acordo com sangue por se frustrar com a condição humana?

Conhecido sobretudo como o realizador de Arca Russa, longa-metragem filmado em uma única tomada sem cortes, Sokurov concebeu seu Fausto como o quarto filme de uma tetralogia sobre a natureza do poder. Os títulos anteriores tratam do que poderíamos chamar de “versões reais” de Fausto, grandes ditadores do século XX que chegaram ao ápice do poder e viram seus castelos desmoronarem diante de sua ambição: Moloch, sobre Hitler; Taurus, sobre Lênin e O Sol, sobre o imperador japonês Hiroito.

Fausto (Johannes Zeiler) é um cientista desiludido que disseca cadáveres em busca da alma humana. Como busca por conhecimento não é a melhor forma de ganhar dinheiro, ele passa fome e tenta penhorar um anel, que considera seu bem mais valioso, junto ao dono de uma casa de penhores, Mefistófeles (Anton Adasinsky), um estranho homem que encarna a figura do demônio. Mefistófeles recusa o empréstimo e passa a seduzir Fausto para que ele lhe conceda sua alma. A princípio reticente, Fausto muda de ideia ao conhecer Margarete (Isolda Dychauk), a bela lavadeira por quem se sente profundamente atraído e que personifica suas frustrações.

A vida é claustrofóbica para o protagonista, que ainda carrega consigo uma grande culpa por ter assassinado o irmão de Margarete em uma briga de bar. O diretor indica isso de forma elegante, em diversas passagens em que Fausto anda por ruelas apertadas e encontra cortejos fúnebres e pessoas o observando insistentemente.

A alcunha de “filme de arte” se aplica à perfeição ao Fausto de Alexandr Sokurov, tal a obsessão com a construção da imagem ao longo do filme. Com ajuda da fotografia de Bruno Delbonnel (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e Harry Potter e o Enigma do Príncipe), muitas das cenas parecem compostas a partir de um quadro de Rembrandt, já outras flertam o grotesco e remetem ao expressionismo da versão Murnau. Sokurov não teme utilizar um arsenal de lentes e filtros para atingir seus objetivos visuais. Isso é recorrente na filmografia do diretor, mas em Fausto é potencializado, resultando em um filme esteticamente fragmentado, mas de beleza ímpar.

O desenvolvimento da ação se dá de forma não linear, o que dificulta a compreensão do roteiro. De qualquer forma, em um longa cuja preocupação estética reside sobretudo na imagem, é clara a intenção do diretor de permitir que a experiência do espectador seja essencialmente sensorial. Fausto é, ao mesmo tempo, de encher os olhos e embrulhar o estômago, e aí reside um dos grande méritos do filme.

Um Grande Momento

O banho na lavanderia.

Links

IMDb [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=PlXgjnU83S8[/youtube]

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