Direito em Cenas: Framing Britney Spears

It's Britney, Bitch!

Todo fã de Britney Spears que acompanhou o desenvolvimento da sua carreira, ou pelo menos parte dele sabe que a vida nunca foi fácil pra uma das cantoras pop (se não A cantora) mais famosas do mundo.

Além de um início precoce, a carreira musical da cantora contou com a transição da adolescência à fase adulta marcada pelo machismo, derivado da perseguição da mídia a cada passo da diva pop, sempre exigindo dela os comportamentos de uma mulher bela recatada e do lar, aos quais Britney nunca fez questão de se amoldar.

O peso das escolhas de uma mulher livre recaíram sobre os ombros da jovem adulta de uma forma dura, talvez nunca antes vista, e tudo foi televisionado, por jornais que faziam questão de estereotipar a musa como uma mulher rebelde, que precisava de rédeas, para deixar de usar roupas sedutoras e palavras de cunho sexual, afinal, ela era um símbolo para as filhas de mulheres brancas importantes, que se incomodavam com a sexualização feminina.

Questionada sobre seu comportamento, Brintney nunca escondeu a tristeza e o descontentamento pelo tratamento recebido, que muito se diferenciava do tratamento despendido aos rapazes que, na mesma idade que ela, tinham suas boybands e não eram questionados, em absoluto, por suas roupas, ou as músicas de cunho sexual que cantavam.

Depois de um tempo na carreira, Britney teve, ainda, uma relação amorosa com um cantor de uma dessas boybands e o término, obviamente, pesou nos ombros da diva, com mais notícias relacionando o final da relação à forma que Britney externalizava sua sexualidade, alegando que ela teria traído o cantor, enquanto nas entrevistas com ele, aplaudiam o fato de ele supostamente tê-la desvirginado.

A seguir, Britney entrou em mais um relacionamento conturbado com pai de seus filhos, e tudo foi devidamente televisionado pelos paparazzis que fotografavam a cantora desde uma ida simples ao mercado, até suas turnês mais famosas.

Obviamente, a perseguição midiática foi capaz de captar o início e o desenvolvimento da derrocada de Britney Spears, que teve surtos de raiva, após tantas pressões machistas e misóginas, e tantas cobranças feitas por sua própria família, e após ser atrelada à imagem de mulher rebelde e raivosa pela imprensa norte-americana.

Todas essas brigas, os surtos de raiva e a tentativa do afastamento da imprensa causaram uma péssima impressão, enviesada pelo machismo, de Britney, que foi interditada pela família, tendo sido submetida à internação compulsória (sem a concordância da internada) e a consequente intervenção de seus bens por um curador nomeado pela justiça: seu pai.

Não é demais mencionar que, além dos machismo sofridos pela imprensa e pelo próprio meio da cultura pop, a cantora sempre teve problemas com o pai, que deixou de ser uma figura presente em sua vida ainda no início de sua carreira, mas, mesmo assim, foi ele quem a justiça nomeou como curador da cantora.

Focando especificamente nas questões jurídicas que envolvem o documentário, cabe analisar o instituto da tutela, que, no caso de Britney, é questionado há muito tempo, por seus advogados e por seus fãs.

No Brasil, existem dois institutos que cuidam do auxílio aos incapazes (aqueles que não podem exercer atos da vida civil pessoalmente): a curatela e a tutela.

A incapacidade para atos da vida civil se divide em incapacidade absoluta (menores de 16 anos) e incapacidade relativa (maiores de 16 e menores de 18 anos; ébrios habituais ou viciados em tóxicos; quem, por causa transitória ou permanente, não puder exprimir suas vontades; e os pródigos), sendo que a tutela visa cuidar dos absolutamente incapazes, enquanto a curatela visa cuidar dos demais casos.

No caso da tutela, um juiz nomeia um tutor, adulto e capaz, para proteger, zelar e administrar os bens do menor tutelado, até que ele atinja a maioridade civil (18 anos); lado outro, na curatela, o juiz nomeia um curador para que zele, cuide e gerencie o patrimônio do curatelado enquanto durar a causa que lhe impossibilita exercer atos da vida civil.

Tanto os tutores quanto os curadores podem ser pessoas próximas ao tutelado ou curatelado, desde que tenham a intenção de zelar por eles e seus patrimônios, sendo dever de ambos proteger os interesses do tutelado ou curatelado, provendo sua alimentação, saúde e educação de acordo com suas necessidades e condições, e a prestação de contas à Justiça.

A prestação de contas é o meio pelo qual o Poder Judiciário consegue analisar se os institutos estão sendo aplicados devidamente, os direitos dos incapazes estão sendo respeitados e se os valores estão sendo utilizados devidamente, exclusivamente para fins de manutenção da sua subsistência e observância de necessidades dos incapazes.

No caso específico de Britney Spears, as grandes dúvidas acerca de sua curatela são: 1. Como alguém relativamente incapaz para exercer atos da vida civil consegue se auto-declarar capaz, realizar turnês e brigar judicialmente pela extinção da curatela?; 2. Quais são os limites de gastos que o curador pode ter?

É consabido que todo o dinheiro do pai de Britney deriva da fama da filha e, portanto, até mesmo as custas processuais e honorários advocatícios, para atuar em ações contra as vontades da cantora, são pagos por ninguém menos que ela mesma.

Se é dever do curador prestar contas do uso adequado do dinheiro do curatelado, indicando que o mesmo vem sendo utilizado única e exclusivamente para suprir as necessidades da curatelada, e essa tem interesse expresso na substituição do curador (veja: a cantora nem discute mais sobre o instituto da curatela; ela apenas quer a troca do curador), como é possível que o curador use o dinheiro da curatelada para, em benefício próprio, pagar advogados exigindo sua permanência como curador dos bens da curatelada?

Além disso, questiona-se sobre os critérios adotados pela justiça norte-americana para a manutenção do instituto, afinal, Britney já apresentou laudos que comprovam sua capacidade plena para exercer atos da vida civil, se auto-declara capaz e tem, a seu favor, diversas testemunhas corroborando a afirmação de que o instituto se faz desnecessário.

Tais perguntas, assim como “onde está Britney Spears?”, remanescem sem respostas e o documentário Framing Britney Spears traz à tona a discussão sobre a aplicação do instituto jurídico no caso da cantora.

Vale destacar que os apontamentos feitos no presente texto, assim como as perguntas levantadas, levam em conta os institutos legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que é possível que as leis norte-americanas prevejam particularidades aqui não elencadas.

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