“A morte não é o oposto da vida, mas parte dela.”
Haruki Murakami
Mesmo depois de partir, vovó Nai continua presente na vida de sua família, que faz questão de prestar homenagens ano após ano. Em uma dessas visitas póstumas, ela percebe que precisa sair com eles para acompanhar o neto queer, seu preferido, prestes a se casar com uma mulher. É um gesto que mostra que não há barreira geracional, fronteiras ou mesmo um descanso eterno quando existe afeto.
A presença de vovó Nai é fantasmagórica, mas nunca assustadora. Ela surge como lembrança viva, como se fosse natural que os laços seguissem intactos mesmo depois da morte. O humor é o tom dominante, mas não diminui a ternura. Com um conto de amor incondicional que desafia o tempo, sem a falsidade do idealismo romântico, a sensação de que quentinho no coração é constante. O sobrenatural, portanto, não é ruptura, mas extensão do cotidiano, como se fosse mais uma forma de convivência que prolonga gestos de afeto e ironia.
A intimidade encontra seu auge na noite do karaokê. Entre músicas, luzes e gestos hesitantes, o neto se descobre e se revela, como se finalmente experimentasse a própria liberdade. Esse mesmo gesto carrega a tensão de estar diante da família, lugar em que tantas vezes a performance queer se torna risco ou constrangimento. É nesse ponto que a presença da avó ganha em dimensão, porque ela não cobra nem vigia, ela acolhe. O momento, que poderia se transformar em humilhação ou vergonha, vira encontro. O canto expõe tanto a fragilidade quanto a coragem do neto, e a avó está ali para devolver segurança e transformar o instante em gesto de afirmação.
Presença importante, ao lado de Nai está a amiga, vizinha de túmulo, que acompanha a avó na aventura. Enquanto Nai continua cercada pela família que a visita e mantém próxima, a parceira vive a solidão de quem já não tem laços tão firmes e presencia o contraste de sua condição em silêncio. A contraposição mostra como a presença ou a ausência de afeto se prolongam para além da morte, mas o vínculo entre as duas surge como uma força que alimenta e agrega.
Chheangkea filma tudo isso com cuidado e irreverência. A câmera se aproxima dos detalhes, dos silêncios, dos olhares que carregam camadas de pertencimento e ironia. Há espaço para o riso e para a estranheza, mas também para uma ternura que transcende a tela. A visita da avó se transforma em celebração da liberdade de existir, e a narrativa, embora íntima, se expande para falar a todos os que já se sentiram deslocados, para quem encontrou no afeto familiar a primeira forma de pertencimento ou para quem sabe que a saudade pode ser também uma companhia.
Grandma Nai Who Played Favorites é delicado e forte ao mesmo tempo, uma fábula que foge do apagamento e devolve aos vivos a presença de quem partiu. É o tipo de curta que traz uma universalidade rara, capaz de emocionar públicos muito diferentes. Entre risos e lágrimas, o filme lembra que, no fundo, nem a morte consegue apagar um amor verdadeiro.
Um grande momento
Ajeitando o cabelo
[21th HollyShorts Film Festival]