(In film nist, IRN, 2010)
Documentário
Direção: Mojtaba Mirtahmasb, Jafar Panahi
Elenco: Mojtaba Mirtahmasb, Jafar Panahi
Roteiro: Jafar Panahi
Duração: 75 min.
Nota: 8
Preso em dezembro de 2010 sob acusação de estar envolvido em atividades que atentam contra a segurança nacional e de fazer propaganda contra a Revolução Islâmica, mobilizou em sua defesa diversas comunidades ocidentais, incluindo os festivais de Cannes, Berlim, Locarno, Rotterdam e Karlovy Vary; associações internacionas de cinema e até cineastas de Holywood, como Martin Scorsese, Steven Spielberg e Francis Ford Coppola. Ainda assim, foi libertado somente depois de uma semana de greve de fome e o pagamento de fiança equivalente a 200 mil dólares, passando a cumprir prisão domiciar enquanto aguardava uma apelação do recurso à sua sentença.
Isto Não é um Filme parece ser o mais adequado título ao documentário feito por Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb. O nome remete ao famoso quadro “Isto Não é um Cachimbo” (1928), em que o pintor surrealista belga Renné Magritte expõe a imagem de um cachimbo ao mesmo tempo em que insere um texto sob o objeto afirmando não se tratar de um cachimbo.
Assim como Magritte, que provoca o observador indicando que a obra não contém o objeto em si e somente uma representação do objeto, a obra de Panahi foi concebida para representar um filme que não existe, já que, calado pela censura, não pôde de fato fazê-lo.
Rodado com uma câmera digital e um iPhone e levado clandestinamente para fora do Irã em um pen-drive escondido dentro de um bolo, o documentário se passa durante um dia na vida de Panahi em sua prisão domiciliar, enquanto aguarda um posicionamento definitivo da justiça iraniana sobre o seu caso.
Tudo começa quando o cinesta resolve apontar uma câmera para si próprio enquanto liga para o seu amigo Mojtaba Mirtahmasb, também diretor de cinema, dizendo ter uma idéia e lhe pedindo que vá à sua casa. Quando juntos, Panahi pede a Mirtahmasb que documente a leitura do roteiro que fez para o que seria seu mais recente filme, não realizado devido à proibição imposta pelo governo iraniano.
Para não tornar o processo cansativo, Panahi decide representar ele mesmo a sua protagonista, uma menina aspirante à faculdade de artes que, assim como seu autor, foi obrigada a viver enclausurada em um apartamento tendo uma janela como única fonte de contato com o mundo. Usando uma fita adesiva para demarcar a casa da personagem sobre o tapete da própria sala, o que vemos não é exatamente uma história, mas o grito de um artista calado por força da repressão, e que tenta desesperadamente encontrar meios de se expressar.
Não há roteiro. Há um princípio glauberiano de “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” e uma necessidade latente de Panahi não se ver morto como cineasta. Isto fica latente quando começa a dirigir o amigo ou quando insiste em deixar a câmera ligada mesmo quando Mirtahmasb vai embora.
Panahi se empolga e se frustra, usa seu iPhone, brinca com uma iguana ou simplesmente assiste televisão. Tudo é registrado, mesmo quando desiste de seu objetivo inicial ao perceber que seu roteiro não poderia ser simplesmente narrado. Como Magritte que constata a aparência enganosa da obra, Panahi interrompe seu projeto e após uma longa pausa diz olhando para a câmera: “sinto que estamos fazendo aqui uma mentira”.
O que o filme não narra são os fatos ocorridos após a produção de “Isto Não é um Filme”. No último dia 15 de outubro, a despeito de todos os protestos internacionais, Jafar Panahi foi condenado publicamente a seis anos de prisão e 20 anos sem filmar, escrever roteiros, dar entrevistas ou sair do país. As notícias sobre o diretor de cinema cessaram desde então.
Não apenas o cineasta e o mundo do cinema perdem com uma resolução como essa, mas cada um de nós que somos um pouco atingidos pela afronta de um regime totalitário e irracional aos direitos humanos e à liberdade de expressão.
De qualquer forma, Panahi nos deixa um legado. Não apenas por suas obras, preciosidades como “Ouro Carmim” e “Fora do Jogo”, mas também por este registro documental de um artista e seu grito de liberdade contra uma tirania repressora e insana. Um filme que não é um filme, de um cineasta silenciado que não silencia.
Um Grande Momento
Após demonstrar certa empolgação representando a personagem de seu filme, Panahi pára e questiona: “se fosse suficiente contar um filme, então por que filmaríamos?”
Links
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