Joel Edgerton fala sobre Sonhos de Trem e confiança

Ao longo da entrevista coletiva de Sonhos de Trem, promovida pela Netflix, Joel Edgerton falou sem pressa sobre medo, tempo, paternidade e confiança, sempre retornando à ideia de que o filme nasce de um gesto simples: observar uma vida e aceitar o que ela carrega.

O ator contou que o tom do projeto foi estabelecido muito antes do set, a partir das conversas com o diretor Clint Bentley. Para ele, esse alinhamento é decisivo. “Sempre achei fundamental que, antes de filmar, o diretor consiga fazer uma espécie de conversa emocional com a equipe, explicar qual é a visão, qual é o destino do filme. O Clint faz isso de um jeito muito direto, porque ele lidera com o coração. Em todas as conversas, o que aparecia era essa busca por humanidade, por uma vida simples, pelas relações que sustentam a gente no dia a dia.”

Essa aproximação era antiga. Edgerton havia lido o livro de Denis Johnson anos antes de qualquer adaptação existir. “Li o livro depois de fazer Boy Erased: Uma Verdade Anulada e fiquei profundamente marcado. Tentei comprar os direitos, mas eles já tinham sido adquiridos. Anos depois, o Clint entrou em contato comigo e foi uma dessas coincidências estranhas da vida.” Quando isso aconteceu, o ator vivia outra fase. “Meus filhos tinham um ano e meio. Tudo mudou. A segunda parte da história passou a me atingir de uma forma muito mais direta, porque eu já era pai e já carregava esses medos.”

A experiência pessoal acabou se tornando o centro do trabalho. Edgerton reconheceu que, ao longo da carreira, sempre procurou personagens diferentes do que é. Em Sonhos de Trem, isso não foi possível. “Meu maior desafio foi enfrentar meus próprios medos. Normalmente, eu tento ser o que não sou. Aqui, o medo está todo ligado aos meus filhos, nem precisei imaginar muita coisa. Essas ideias já estavam na minha cabeça.” Segundo ele, levar isso para a atuação exigiu aceitar uma exposição pouco comum.

Quando falou do momento atual da carreira, o ator evitou qualquer solenidade. “Sinto que confio mais em mim mesmo em cena agora. Demorei muito para chegar nisso.” Para ele, a idade e a paternidade mudaram sua relação com o trabalho. “Hoje, me interesso muito mais por filmes menores, feitos com cuidado, que falam alto sem precisar gritar.”

Essa lógica se reflete também na relação com a imagem. Edgerton destacou o trabalho do diretor de fotografia brasileiro Adolfo Veloso, com quem desenvolveu uma relação de confiança imediata. “O Adolfo tem um instinto impressionante. Ele acompanha os personagens, reage ao que está acontecendo. Muitas cenas foram filmadas só com luz natural, de fogo, de velas. Ele não tenta chamar atenção para si, está sempre a serviço do filme.”

Ao falar de Robert, o protagonista, a conversa chegou à questão da masculinidade. Edgerton observou que o personagem carrega uma formação antiga, marcada pelo silêncio e pela contenção emocional. “Existe uma dignidade nisso, mas também um custo enorme. O filme mostra esse homem que não sabe expressar o que sente e o quanto isso o afasta do mundo. Acho importante pensar que masculinidade não é só dureza, também é sensibilidade, é permitir que as coisas sejam ditas.”

A presença constante da natureza atravessa tanto o filme quanto o discurso do ator. Edgerton associou essa dimensão à própria infância na Austrália. “Quando você entra numa floresta, o corpo responde. A respiração muda, o ritmo muda.” Para ele, Sonhos de Trem lembra que os personagens não estão fora do mundo natural, mas inseridos nele, mesmo quando tentam dominá-lo ou explorá-lo.

Ao encerrar, o ator disse que Sonhos de Trem ocupa um lugar especial em sua trajetória. “Foi um trabalho que me ensinou a confiar.”

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