A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é, para muitos, o maior evento cinéfilo do ano. Esta é a 43ª edição do evento, que traz anualmente à capital paulista centenas de filmes de vários lugares do mundo, com diferentes recortes e linguagens, contextos e técnicas. É o paraíso para os amantes do cinema. Muitos deles, durante esses dez dias, passam mais tempo na sala do que em qualquer outro lugar.
A ansiedade para os filmes selecionados começa muito antes do anúncio, feito poucas semanas antes. A montagem da programação é uma diversão à parte, bem tensa, na verdade. Depois da varredura pelos títulos esperados e diretores conhecidos, é um entra e sai de nomes escolhidos, com sofrimento pela impossibilidade de encaixar alguns deles ou a alegria pela descoberta de um nome duplicado que tenha passado despercebido. Isso sem falar nos encaixes escalafobéticos, como uma sessão começando 15 minutos depois do fim da outra em um cinema mais distante do que poderia ou se esquecendo das subidas da Frei Caneca, Augusta ou Peixoto Gomide.
Mas é a Mostra e ninguém liga muito para nada disso. O importante é correr para chegar antes da vinheta e estar menos ofegante quando o filme começar.
E essa vem sendo a minha rotina há alguns anos. As segundas quinzenas de outubro são reservadas para o evento, com férias marcadas, passagens compradas com um ano de antecedência, combinações de hospedagem e muitos preparativos.
Já passei coisas muito boas e muito ruins aqui. Momentos muito marcantes da minha vida. Lembro de quando aproveitava os intervalos das sessões para fazer o acompanhamento do tratamento de saúde que fazia na cidade ou de quando a rotina mudou completamente porque o mesmo tratamento fez com que eu tivesse que me transferir para cá; de quando tive que ficar confinada nos cinemas do Espaço Itaú Frei Caneca porque dei um jeito na coluna e não podia ficar correndo de um cinema para outro; dos lançamentos de livros, almoços que nunca passariam de salgados no começo das sessões das 15h, e das noites sem dormir escrevendo críticas.
Ficaram também na lembrança encontros e sessões históricas, com alguns ídolos do cinema apresentando-as, com abraços e autógrafos, ou com todos os amigos e colegas reunidos num mesmo lugar para ver aquele filme de Eduardo Coutinho, Jean-Luc Godard, Takeshi Kitano, Abbas Kiarostami e tantos outros, ou a restauração de uma obra que era referência unânime. E tiveram os tropeços também, as brigas por causa das luzes dos celulares, os rolos de filmes fora de ordem na época da película, as janelas erradas, a legendagem eletrônica atrasada em filmes turcos ou russos ou do fade depois do desfoque que na verdade era falha.
Lembro também do afeto, muito afeto. Foram muitas histórias que se construíram na minha vida junto com a minha história com a Mostra de São Paulo. Amizades que já duram anos e vão durar muito mais, laços sinceros de confiança e acolhimento. Gente que veio na minha vida para somar, que me ajudou a passar por perdas e também comemorou comigo as vitórias, que ficava (e fica ainda hoje) fazendo rodízio quando a depressão aparece e que está sempre a postos para me fazer companhia. São essas conversas sobre filmes e sobre tantas outras coisas, essa presença tão cheia de amor, essa parceria, esses abraços após uma doída derrota eleitoral que vão ficar para sempre.
Agora, em 2019, mais uma Mostra vem para transformar o ano, como se o calendário só se completasse com ela. Foi um ano difícil para os festivais no país, com a perda dos patrocínios e um ataque óbvio a qualquer atividade ligada à cultura pelo governo, tudo estava em suspenso e foi se confirmando como deu. Assim foi com o evento em São Paulo que, mesmo com as adversidades, está fazendo um trabalho lindo.
Do lado de cá, as coisas também não estavam muito bem. Essa política toda, mais alguns vários problemas pessoais e familiares fizeram com que o astral despencasse e a cabeça não estivesse tão bem. Quem tem depressão deve entender do que eu estou falando, mas não é a hora de parar, não é a hora de deixar de fazer aquilo que nos dá mais prazer. E isso quer dizer ver filmes e viver esse ambiente que só a Mostra proporciona, com seus muitos títulos de vários lugares do mundo e com todas as pessoas que se reúnem na cidade.
E vamos nós mais uma vez em busca dos títulos gregos desta edição (é minha cinematografia preferida depois da brasileira), fazer a tabelinha que muda mais do que a temperatura na capital paulista, calcular o tempo de deslocamento (esquecendo ou não das ladeiras), pedir a programação de todo mundo e começar aquela troca de whatsapp para ver se a gente consegue encontrar todo mundo de novo.
A partir de amanhã, atualizo vocês por aqui e pelas redes sociais do Cenas do que ando vendo no meio dessa deliciosa correria.
Que venha a 43ª edição! Vida longa à Mostra de São Paulo! Vida longa ao cinema!