Existe um sentimento que só aqueles que já experimentaram a maternidade/paternidade podem identificar: o instinto primeiro de proteger a prole. A trama de Mentira Incondicional não está interessada apenas na profundidade e nos desdobramentos da mentira, quer saber também até que ponto essa relação de proteção, algo quase inexplicável, pode chegar. O longa da diretora Veena Sud, adaptação do alemão Nós Monstros, segue de maneira honesta a trilha de equívocos de um pai e uma mãe para assegurar a liberdade da filha, não importa o que ela tenha feito.
As apresentações, apesar do charme do resgate de imagens e de serem fundamentais para a trama, são apressadas e se atrapalham na tentativa de demonstrar o vínculo perdido que seria a motivação por trás de tudo. Ainda assim, o absurdo da trama cria o vínculo necessário e faz com que o interesse siga num crescente, com direito às sempre funcionais contrariedade a ações específicas, no despertar de uma angústia que supera a tela.
Com um roteiro que se dedica quase exclusivamente à derrocada, dando pouca atenção àqueles que estão fora da espiral e sem se preocupar com os que a acompanham de perto, Mentira Incondicional se apega de tal forma à relação que as interações com qualquer outra pessoa não consegue encontrar um tom que se adeque ao todo. Se isso prejudica o filme, a centralização da trama dá muito instrumental para Sud provar o seu cinema. Afeita aos deslocamentos, sejam eles o ritmo ou o start, a diretora canadense de The Salton Sea e The Stranger sabe alcançar o suspense.
Em uma abordagem curiosa, tudo em Mentira Incondicional é pensado para que não haja espaço para sentimentos que sejam outros que não o suspense e a culpa, destacados pelo estranhamento, principalmente com as atitudes da jovem Kayla, vivida por uma Joey King completamente diferente da vista em A Barraca do Beijo ou na série The Act. Elas quase sempre aparecem em contraposição às dos pais – Peter Sarsgaard e Mireille Enos. Além da química, o trio é dono do filme e é fundamental para a realização almejada pela diretora.
Esteticamente, o clima é destacado pelo esmaecido, primeiramente pela brancura da neve e depois pelo jogo entre o cinza e o branco, e a perda gradual de cor que se equipara ao senso de justiça e humanidade de duas pessoas que agem sem pensar e não encontram uma saída. A solidão e a restrição do trio são marcadas por planos de interior abertos, num aproveitamento de espaço interessante, contraditório até, mas funcional.
Entre deslizes do roteiro, motivações pouco práticas e o duplo mortal carpado do final, a ousadia, o trio e uma boa direção de atores sustentam Mentira Incondicional até o fim. Não é nada que dure muito tempo após a projeção, mas cumpre o seu papel enquanto suspense psicológico. A mensagem também chega onde queria, num jogo instintivo que ninguém sabe como será jogado até que algo aconteça.
Mentira Incondicional é o segundo da série de filmes Welcome to the Blumhouse, da produtora conhecida por seu catálogo de cinema fantástico. O primeiro filme, Caixa Preta, também já está disponível na plataforma.
Um grande momento
Saindo do banheiro
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