Crítica | CinemaDestaque

Dogman

De lados opostos

(Dogman, FRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Policial, Drama
  • Direção: Luc Besson
  • Roteiro: Luc Besson
  • Elenco: Caleb Landry Jones, Jojo T. Gibbs, Clemens Schick, Christopher Denham, John Charles Aguillar, Grace Palma, Alexander Settineri, Marisa Berenson
  • Duração: 110 minutos

Quando Dogman se inicia, toda sua narrativa já aconteceu. O que o espectador vai conferir é o relato autobiográfico de um sobrevivente de muitos maus tratos – da vida, do destino, da própria família, de si mesmo. As únicas criaturas que foram por Douglas, em sua existência miserável, foram os cachorros que, como ele diz, o amaram sem pedir nada em troca. Em competição do último Festival de Veneza, é no mínimo interessante que uma das maiores mostras mundiais tenha selecionado para seu certame um título tão simples no que está tentando dizer. Uma produção dirigida pelo desacreditado Luc Besson, que mostra nesse filme que suas credenciais não significam muito mais hoje em dia – ainda que eu ache a piração Lucy bacana demais. 

Aqui, a tentativa de denúncia familiar inicial é rasa e rápida demais, com um direcionamento assertivo em tornar os lados muito bem demarcados, sem qualquer tom de cinza ocupando espaço, mesmo que seu protagonista seja ele uma pessoas de decisões questionáveis. Quando Dogman passa a acompanhar sua vida adulta, a sensação é de que não há muita boa vontade na hora de desenhar os eventos que ele sustenta; as coisas são assim. E são porque são. O discurso de Douglas em sua defesa é igualmente simplista, e o filme não consegue aprofundar o manancial de dores que essa pessoa representa, até como exemplo de movimentos muito verdadeiros. Tudo o que a produção tenta defender é colocado nas costas de seu protagonista, personagem e ator. 

Besson, que outrora esteve para a França assim como Christopher Nolan está para o cinema anglófono, hoje não se parece mais com o diretor de Subway e Imensidão Azul. Restou muito mais um homem tentando se resgatar a códigos que já foram importantes pra ele e que hoje soam repetitivos, quando não obsoletos, em um discurso de pretensa limpeza de fanatismo religioso. Ainda assim, a experiência ao redor de Dogman é de interesse, porque Besson conhece alguns mecanismos utilizados aqui, principalmente no que concerne à condução dos eventos. Óbvio que falta autoridade para falar sobre limites de gênero, o que acaba funcionando como uma situação amorfa e nada aprofundada. Isso se transformaria fácil em desserviço (e na verdade o é, de fato), mas o cineasta que deveria se dedicar a isso, resolve não fazê-lo e apenas mostrar suas credenciais habituais. 

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Algo que é desenhado pelo roteiro, o paralelismo entre a história de Douglas e a da jovem psiquiatra mãe solo e que ecoa de verdade no que ele relata, tem apresentação luxuosa. Poderia ser redigida de maneira muito mais envolvente, com costura mais aparente, sem a falta de interesse que demonstra após a apresentação. Existe um diálogo entre Evelyn e sua mãe que expõe sua condição, alerta sobre um perigo real à espreita… e que, além de não se realizar, ainda é um tema abandonado no exato momento após a cena. O momento agrega valor à personagem de Jojo T. Gibbs (de Fresh), alicerça uma espécie de olhar para esse campo feminino de ausência de afeto familiar e tentativa de construção do oposto, e infelizmente é abandonado por um filme que, na verdade, não tem interesse algum em olhar para os lados. 

Tudo o que há de positivo, vibrante e honesto em Dogman é personificado pela entrega de Caleb Landry Jones. Ao chamar atenção em Corra!, não fazíamos ideia de que, sete anos depois, ainda estivéssemos observando a tranquila ascensão de um ator. Em 2021, saiu de Cannes com um surpreendente prêmio de melhor ator por Nitram, e provavelmente deve ter chego perto de fazer o mesmo em Veneza no ano passado. Sua concentração intensa, a forma como ele vibra mesmo sem elaborar muito os movimentos, o lugar de controle que uma personagem dessa outorga a um ator, e ele corresponder de maneira tão vívida, é hipnotizante. Todos os méritos de Besson estavam em encontrar Jones, e permitir que um ator tão eletrizante pudesse contribuir de maneira tão completa e visceral para uma obra se compreender tão arrebatadora. 

A sensação final da sessão é a de que estamos diante do futuro quando pensamos na frente das câmeras, e de um passado quase retrógrado enquanto contador de histórias quando olhamos para trás. É uma sensação ambígua que não é positiva para a produção, de onde seu protagonista não apenas sai incólume, como contribui para os pontos positivos quase na totalidade. O resto dos méritos estão em Besson construir belos momentos musicais para o seu filme, e olhar para uma fatia da sociedade, ainda que não a compreenda. Dogman, um filme onde a compreensão pede que dê lugar ao afeto irrestrito, parece não observar sua própria mensagem. 

Um grande momento

‘La Foule’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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