Direção: Manoel de Oliveira
Elenco: Michael Lonsdale, Claudia Cardinale, Jeanne Moreau, Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra, Ricardo Trêpa
Roteiro: Raul Brandão (peça), Manoel de Oliveira
Duração: 91 min.
Nota: 8
(O Gebo e a Sombra, POR/FRA, 2012)
Do alto de seus 104 anos, Manoel de Oliveira usa toda a sua habilidade e conhecimento para falar da crise que assola seu país e o mundo. Se essa mesma crise já se mostrava presente em seus dois filmes anteriores, Singularidades de uma Rapariga Loira e O Estranho Caso de Angélica, em O Gebo e a Sombra ela adquire corpo, alma e voz numa maestria impressionante.
Adaptado da peça homônima de Raul Brandão, editada em 1923 e que já percebia o dinheiro e as relações que o envolvem como o cerne de um problema muito maior, o filme traz o problema para dentro de casa, escondido em uma maleta no canto da mesma mesa onde são realizados cálculos incessantes que levam sempre ao mesmo lugar e contrastam com a realidade das pessoas que estão a sua volta, que não sabem e nem nunca souberam o que era viver diferente daquilo.
Na história, Gebo é o cobrador contador de uma grande empresa, a quem pertence o tal dinheiro na maleta. Ele vive em uma casa modesta com sua esposa Doroteia e com a nora Sofia, que trata como filha depois que seu filho João sumiu de casa, há oito anos, em busca de uma vida melhor do que aquela que eles tinham. Até que um dia ele regressa, ainda inconformado e sarcástico, e não resiste a tentação, levando o pai à ruína.
Da casa, conhecemos apenas um cômodo, a sala. É só lá que os visitantes, como nós, podem entrar e onde todas as coisas realmente acontecem. O cenário restrito não é nenhum problema para Oliveira, que cria um ambiente resignado e dinâmico ao trabalhar com todas as possibilidades de luzes, ou da falta dela, auxiliado pelo seu diretor de fotografia Renato Berta. A penumbra é quase um personagem do filme e só vemos a luz em um único e crucial momento.
Cenário e iluminação trabalham em prol do roteiro complexo e simples ao mesmo tempo, antigo e atualíssimo, assim como o elenco, recheado de atores brilhantes. No núcleo da casa, Michael Lonsdale, Claudia Cardinale e Leonor Silveira dão significado a movimentos discretos cheios de significado, assim como Ricardo Trêpa, o filho João ou a sombra dessa família, que chega num ritmo completamente diferente e tira o espectador da situação de marasmo e acomodação que não era exclusiva. Há que se falar ainda das maravilhosas participações de Luís Miguel Cintra e Jeanne Moreau.
Quando suprime o desfecho da peça, ignorando seu quarto ato, Oliveira dá força à sua obra, assim como quando opta por apagar do texto o que é escancarado, deixando o implícito para ser descoberto pelo espectador, e faz de O Gebo e a Sombra um filme impressionante e digno de todos os elogios que vem recebendo, mesmo que não seja para qualquer público e possa cansar os desavisado.
Uma aula de cinema, sem dúvida nenhuma.
Um Grande Momento
Sofia ouvindo Gebo contar que vira João.
Links
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