Oxigênio

A luta pela sobrevivência, agora interior

Com um título como esse, o filme novo do cineasta Alexandre Aja não poderia ter mais conexão com o momento atual em que o mundo vive, ainda que sua conexão seja de caráter depressivo, pra grande parte dos possíveis espectadores que vê exatamente oxigênio faltar às pessoas infectadas pelo vírus da COVID-19. Esse não é o único “gatilho” que Oxigênio poderá acessar ao público que conferir a estreia da plataforma de streaming Netflix a partir de hoje, porque os desdobramentos da trama nos colocam em constante lembrança da atual situação pelo qual o mundo passa, o que dá relevância contemporânea ao filme.

Saindo um pouco de sua zona de conforto, que inclui o horror como ponto de partida principal ou espinha dorsal de seus projetos, aqui Aja bebe da ficção científica para circundar a situação-limite que compõe seu painel: uma mulher está presa em uma câmara futurista sem comunicação com o mundo exterior, e recebe a desesperadora notícia de que seus níveis de oxigẽnio mal chegam a 35%, com queda cada vez mais acentuada. O público segue então com os dados que essa mulher progressivamente consegue, sobre suas ações pregressas, sua vida e os motivos que a colocaram nessa situação insólita.

Tais quais filmes como Enterrado Vivo, aqui essa possível caixa mortuária é o único espaço físico para a personagem principal tentar criar interação, com a diferença de que há um um comando robô com quem a mesma pode conversar e tentar extrair informações, e a própria natureza do espaço permite ao roteiro da estreante Christie LeBlanc criar inúmeras saídas para que a protagonista crie sua ação trancafiada nem espaço criogênico. Apesar do palavrório científico, o filme consegue criar reais momentos de tensão e uma atmosfera verdadeiramente claustrofóbica, mesmo quando uma ilusória liberdade é aventada.

De posicionamento intimista, Oxigênio abre uma vertente nova na filmografia do cineasta francês. Expoente do novo terror europeu no qual a França fez importantes contribuições há 20 anos, Aja entregou exemplares memoráveis do cinema de gênero recente como Alta Tensão, e os remakes de Viagem Maldita e Piranha. Aqui, seu olhar se volta para o interior das relações humanas, tentando uma guinada progressiva rumo ao emocional em seu trabalho. Apesar de nunca ter abdicado da importância do ser humano mesmo quando seus destinos eram o mais sanguinário possíveis, o diretor parece aqui conectado com uma simbologia que rege a luta pela sobrevivência sob égides mais filosóficas.

É genuíno e benigno desejar uma virada revigorante na carreira, mas se você abraça um terreno ainda pouco explorado, precisa responder a esse chamado com uma representação menos testada que nesse exemplar. Ainda que não seja invalidado por uma certa palidez, Oxigênio é um filme que outras pessoas já fizeram antes com mais propriedade, embora não deixemos de nos importar com as descobertas feitas pela protagonista. Em particular a cena da revelação gráfica do espaço físico macro que em determinado momento temos acesso é um dos momentos mais interessantes do projeto, dando liberdade ao diretor de explorar a dicotomia entre prisão e liberdade, ambas subjetivas.

Sozinha em cena praticamente o tempo inteiro (há flashbacks para que o espectador se situe aqui e ali), Mélanie Laurent faz o que pode para injetar empatia numa produção que precisa das armas emocionais que ela dispõe pra angariar afeição pública, mas seu drama é demasiadamente mecânico e pouco aproximado de uma experiência real, talvez isso afaste um pouco da conexão. O excesso de plots dá conta de que o público chegue ao final da projeção ainda conectado a Oxigênio, mas não resta muita preocupação quando eles se esgotam. Resta um passatempo eficiente, pra guardar na memória suas impressionantes trilha sonora e direção de arte.

Um grande momento
Ligando para a mãe

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