Sequizágua

(Sequizágua, BRA, 2020)
Ficção
Direção: Maurício Rezende
Elenco: Débora Anjos dos Santos Guilherme dos Anjos dos Santos Vítor Daniel Anjos dos Santos Adriana de Jesus Oliveira João Marcos Barbosa Cristovino Ferreira Neto João Altino Neto Gelson Baiano Maria Elci dos Santos José Aparecido Andrade Silva
Roteiro: Affonso Uchôa
Duração: 86 min.
Nota: 3

É bastante usado em reality shows o conceito de planta para a pessoa que nada faz além de se alimentar, bater papo e dormir, existindo e resistindo num modo de economia de energia que atravessa incólume crises e tretas. “A planta consegue sobreviver” é conclusão que cabe na boca de qualquer analista de roteirizadas competições televisivas dedicadas ao “drama da vida real” e também frase de um dos personagens de Sequizágua, longa de Maurício Resende com roteiro (e marcas) de Affonso Uchôa, que tem como cenário o assentamento Americana, localizado em Grão Mogol, norte de Minas Gerais.

Apáticos, silenciosos e próximos da inanição pela falta de chuva, fundamental para a agricultura, os habitantes do cerrado são enquadrados e manejados como plantas de plástico nesta desarranjada ficção com resquícios de documentário que se assemelha a um retrato analógico no mundo digital, um filme perdido projetado sem timing, um corpo sem alma, um convívio sem troca. Enquanto um homem avisa que não está cochilando, mas sim pensando, a impressão que se tem é que Sequizágua é óbvio fruto de cochilo, não de pensamento, e ainda sem a desculpa de “descansar os olhos”, pois na falta de água e unidade narrativa abundam extravagâncias como closes, retratos que parecem saídos do Calendário Pirelli, movimentos de câmera que não dialogam com o que está em foco e as mais clássicas paisagens desse tipo de bioma.

Sempre atuais, nem mesmo temas como a seca, as queimadas e o êxodo rural são capazes de incutir frescor na obra de Resende, árida e parada como as sementes plantadas com base apenas na fé e na esperança. Na contramão da tendência nacional, é o catolicismo que ainda reina na região, o que rende registro de missa que reforça a noção de prisão no passado. Questões geracionais e de gênero se mostram presentes na construção, porém de maneira inconclusa. Lamentosos idosos guardam memórias e detêm o controle do relato “honesto” da situação, enquanto jovens teatralizam sem grande empenho sobre distâncias, família, amizade e romance, isentos de comentários sobre a falta de chuva. Garotos se aventuram, garotas vão procurá-los; homens caminham na frente procurando poços, mulheres ficam para trás e precisam apertar o passo para alcançá-los; eles desistem e vão para outra cidade, elas esperam e seguem depois (na garupa) ou jamais.

Sequizágua começa e termina com crítica à monocultura, responsabilizada pelo enorme vazio empoeirado que recheia o filme, com a especificidade que por fim é citada também a lastimável perda de cultura das plantas. Soa irônico levando em consideração que o discurso é de um dos membros da velha guarda, aqueles que defendem que “tem que produzir”, o que no contexto audiovisual apresentado significa jogar sementes na terra e confiar que Deus mandará alguma gota de chuva em algum momento, um mínimo esforço característico de pessoas “plantas” – adjetivo já não tão adequado aos jovens que ao menos tomam a atitude de fugir. Filmando o conformismo com malabarismos, o que é capaz de revelar o longa-metragem? Que é preciso mais para ser ouro de tolo em 2020.

Um Grande Momento:
As garotas esperam o gado passar.

[23ª Mostra de Tiradentes]

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