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O Som do Silêncio

Em busca de um lugar

(Sound of Metal, BEL, EUA, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Darius Marder
  • Roteiro: Darius Marder, Derek Cianfrance, Abraham Marder
  • Elenco: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Mathieu Amalric, Lauren Ridloff, Jamie Ghazarian, Chris Perfetti, William Xifaras, Hillary Baack
  • Duração: 120 minutos

Ruben está em close durante dois minutos, a câmera tenta ao mesmo tempo adentrar em seu universo e nele mesmo, um homem partido, embora ainda não saiba. O rosto de Riz Ahmed está crispado, atento como uma coruja (posteriormente ele será comparado a uma), prestes a empunhar o que seria um de seus últimos solos de bateria antes que a surdez o levasse do mundo como ele o conhece. O Som do Silêncio não propõe apenas o que seu close inicial denota, adentrar aquela pessoa que pede pra ser descoberta, mas se deixar avassalar pelo ruir ao seu redor, um universo controlado ao entrar em colapso.

Um homem que não ouve a mulher com quem vive: isso poderia ser uma metáfora perfeita para um filme dinâmico com uma vasta capacidade de abarcar contextos da atualidade e criar uma parábola sobre a falta de comunicação em uma relação, mas embora exista uma cena onde esse conflito seja pincelado com sutileza, a estreia na ficção de Darius Marder (um dos roteiristas de O Lugar Onde Tudo Termina, de Derek Ciafrance, que colabora no roteiro aqui) não pretende “lacrar” ou “causar”; um mundo novo que precisa se descobrir admirável por baixo dos escombros é o invólucro ideal para armazenar suas intenções, de onde sairá “uma grande lição”.

O Som do Silêncio

Com essa perspectiva no ar se desenhando com clareza, era fácil de imaginar um desenvolvimento aborrecido rumo a lógica, mas a paleta de O Som do Silêncio se revela narrativamente através de uma cena logo no início, através de uma viagem de Ruben e sua namorada cantora Lou. A câmera segue o trailer de ambos, e a montagem avança seu diálogo aos saltos, nos situando na intimidade do casal e sua coloquialidade, e apontando também a liberdade temporal que o filme pretende assumir em sua construção, que agiliza os processos sem provocar ruído de compreensão – há uma escolha consciente pelos saltos como artifício estrutural, que confere ao filme uma dimensão ampla de temporalidade.

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Também apesar da óbvia estimativa por um lugar do conto moral, essa escola não atrapalha a fruição do filme principalmente porque somos levados a saborear a entrega de Ahmed, ator cujos recursos já tinham sido descobertos em O Abutre mas que aqui alcança um registro corporal e psicológico ainda não experimentado. Sua química com Olivia Cooke (de Jogador Nº1) se estabelece através de sua interação mútua, de cenas complexas em entrega emocional, pela ausência que se configura em presença na tela, até ser amarrada pela reconexão que os reintegra, onde o verbo não precisa mais explicar o que a superfície deixa clara; “você salvou a minha vida”, e tudo mais prescinde de ser dito.

O Som do Silêncio

É no mínimo irônico que um protagonista andarilho, que ande com a casa nas costas e sem porto seguro, encontre um lugar de redenção e assentamento justamente quando sua realidade parece disforme e irreconhecível. Com a ajuda de uma figura paterna essencial (uma participação impressionante do veterano Paul Rasci no que deve o grande momento de sua carreira), Ruben é obrigado a um pouso forçado que, se não corta as asas da coruja ainda assustada e arredia, amplia sua empatia e o faz criar a armadura necessária para seu voo final, rumo a um definitivo desconhecido.

A óbvia comparação com Whiplash (protagonistas bateristas à beira do abismo) não é prejudicial a O Som do Silêncio porque rapidamente o filme se desprende do vigor imposto por Damien Chazelle em sua produção para reger sua sinfonia particular, menos aguda e mais doce, ainda que resvale na melancolia, condição adquirida pela própria natureza de um protagonista que ainda tateia sua verdade em tempos ainda na iminência da descoberta, equilibrando-se entre o mundo confortável do passado e uma adaptação radical para o futuro, a descobrir um reconstruído homem. É sintomático que o ambiente externo para onde o clímax se encaminhe seja absolutamente novo – talvez seja preciso uma moldura nova para encontrar um reino onde possamos chamar de nosso.

Um grande momento
Reino de Deus

Ver “O Som do Silêncio” no Prime Video

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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