Documentário
Direção: Feras Fayyad
Roteiro: Alisar Hasan, Feras Fayyad
Duração: 107 min.
Nota: 8
Numa caverna repousa a esperança da maltratada população de Ghouta, localizada nos arredores de Damasco. Se Aleppo é a cidade mais presente nos noticiários internacionais por ser a mais afetada pelos ataques do Regime e dos russos, o risco de morte é ainda mais constante em Ghouta que sofreu ao longo de cinco anos os efeitos de um cerco terrível que vitimou principalmente crianças. Esse é o enredo de The Cave, longa documental indicado ao Oscar e disponível na programação do canal a cabo National Geografic, que foca no trabalho e no altruísmo dos profissionais de saúde que atendem num hospital subterrâneo na cidade.
Se a série Plantão Médico gera aflição ao mostrar vários casos procedurais e tragédias humanas, ter a rotina de um hospital extremamente precário e que é constantemente bombardeado é de deixar o coração na mão. Difícil não deixar a angústia tomar conta ao ver a câmera acompanhando pessoas gritando, crianças chorando e o desespero estampado nos semblantes de médicos e pacientes. É cinema direto difícil de assistir, mas extremamente necessário.
No centro da narrativa, o documentarista sírio Firas Fayyad coloca em primeiro plano nos seus filmes os heróis anônimos que salvam vidas no país devastado pelo genocídio travestido de guerra civil sob o julgo do sanguinário, Bashar Al-Assad. Com apoio bélico da Rússia, ele prefere governar um país em ruínas do que abdicar do poder. Na cidade onde o exército rebelde fez sua base os bombardeios e tiroteios não cessam por um segundo sequer.
Em The Cave temos a jovem pediatra Amani no centro dos acontecimentos. Ela coordena o hospital e uma equipe predominantemente feminina de médicos e enfermeiros, que tentam não só salvar vidas como trazer alento e alguma alegria em momentos de tamanha dor. A rotina de Amani e de seus colegas é, sim, desesperadora, mas para não se deixar contaminar pelo pânico, ela pensa nos pais e no jardim da casa que deixou para trás. O colega cirurgião faz questão de ter música clássica tocando durante as cirurgias – muitas feias sem anestesia – para não se entregar e continuar com seu trabalho. O assistente de Amani, um médico mais velho do que ela a defende de um marido que questiona o porquê de uma mulher dirigir um hospital quando deveria estar em casa. Ele também é um responsável por um gesto tão simples quanto significativos que é o de organizar o aniversário surpresa da chefe, na pequena sala administrativa onde eles trabalham e (tentam) repousar.
Com sua calma, firmeza e competência, Amani conquista as pessoas ao redor e também as que assistem ao documentário. Mulher numa sociedade islâmica, ela desafiou e quebrou muitos paradigmas para poder exercer o ofício – por isso que talvez seja tão enfática e doída a recusa dela em partir de Ghouta quando o hospital é fechado, no encerramento do documentário.
Mas a mensagem de resistência está lá, seja contra a ditadura Síria e os russos ou contra o sexismo. Em entrevista para Thomson Reuters Foundation, às vésperas do Oscar, ela falou como queria provar que ela e todas as mulheres podem mais e como espera que o filme inspire as mulheres a mudar a situação em que se encontram.
Fayyad consegue com The Cave sua segunda indicação ao Oscar de melhor documentário. Em 2018 ele esteve lá no Dolby Theatre com Os Últimos Homens em Aleppo, acompanhando a rotina dos soldados voluntários conhecidos como Capacetes Brancos (que já foram os protagonistas de um curta premiado com o Oscar, em 2017) no resgate de inocentes.
Como uma soldado que não descansa, Amani, repouse na certeza de que sua história e sua paixão pelas pessoas incentivará outras mulheres e meninas a exigirem tratamento igual aos homens. Isso feito é a certeza de uma sociedade feminista onde a equidade impera e mais vidas são preservadas.
Um Grande Momento:
Amani consola a criança ferida.
Links