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The Mastermind

Fracassos do talento inexistente

(The Mastermind, EUA, 2025)
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kelly Reichardt
  • Roteiro: Kelly Reichardt
  • Elenco: Josh O’Connor, Alana Haim, Sterling Thompson, Jasper Thompson, Hope Davis, Bill Camp, John Magaro, Gaby Hoffmann, Eli Gelb, Cole Doman, Javion Allen e Rhenzy Feliz,
  • Duração: 110 minutos

O fracasso, para quem sempre teve tudo, é um tipo de tragédia silenciosa e é esse o peso que o protagonista de The Mastermind carrega. Filho da elite, criado em berço de ouro, cercado de expectativas, Mooney sabe que não conquistou nada por mérito próprio. A vida, cheia de promessas e caminhos prontos, se revela oca. O novo filme de Kelly Reichardt parte dessa sensação para construir uma espécie de estudo sobre a impotência e o narcisismo de uma geração que não aprendeu a lidar com o próprio ego.

A ironia é que nada de grave realmente acontece e, ainda assim, tudo dá errado. Depois de frustrar o plano familiar ao rejeitar uma carreira segura, ele, agora um homem adulto e pai de família, tenta se estabelecer como arquiteto, mas seu talento não corresponde à ambição. Os projetos falham, a prosperidade não acontece, e o abismo se instala. A frustração não vem da falta de oportunidades, e sim de uma consciência de que elas existiram. O fracasso aqui é um luxo, um colapso que só é possível dentro da bolha do privilégio.

O personagem encarna uma geração que cresceu acreditando que bastava querer para ser genial. Educados na promessa da autenticidade e da realização pessoal, esses jovens chegam à vida adulta descobrindo que o mundo não está interessado em suas angústias. É quando Mooney parte para a ação, pensando que a mesma facilidade que o protegeu a vida inteira o acompanhará em um gesto extremo. Sem medo, o desprezo pelas consequências e a confiança de quem nunca precisou responder por nada revelam um tipo de vazio que vai além da moral. O filme sugere que o privilégio pode ser tão anestésico quanto o fracasso, e que essa combinação é o verdadeiro sintoma de uma geração que acredita em sua superioridade, mesmo quando tudo diz que ela não existe.

Com muito rigor e cálculo, Reichardt acerta ao transformar a insignificância em forma. Presente até no momento da ação, quando uma inoportuna energia adolescente toma conta do protagonista e seus comparsas. É a primeira vez em que ele parecer vivo, excitado pela adrenalina de transgredir. Tudo não passa, porém, de mais uma tentativa exdrúxula de sentir algo, qualquer coisa. Só mais uma vontade – novamente frustrada – de chegar a algum lugar e ser alguém. Os planos reproduzem a paralisia que se impõe em seguida. A fotografia fria, de tons neutros, deixa os ambientes sufocantes, e a trilha sonora, sempre presente e avessa à sua figura, ecoa como se as paredes também o julgassem. Há uma cadência incômoda no ritmo: nada explode, nada acontece. A monotonia vira sintoma de um mal-estar que é existencial e social ao mesmo tempo.

O trabalho de som é discreto, marcado por silêncios longos, reverberações e respirações que soam como confissões. O design de produção aposta na simetria e na assepsia, reforçando a ideia de um mundo controlado, onde nada é espontâneo. Até o caos do personagem parece planejado. Essa harmonia artificial cria um contraste interessante com os lampejos de sinceridade que surgem em poucas cenas, quando o controle cede e a falha se torna revelação.

The Mastermind é um filme sobre o esgotamento de quem sempre esteve no topo, ou foi levado a acreditar nisso. Um retrato cruel da elite atual, incapaz de lidar com a ausência de aplausos. Há algo de patético na busca de Mooney por um status social, mas também algo profundamente humano. Ao perseguir atalhos para se redimir, ele ignora o que é esforço, o que é real, o que é moral e o que é ético. Falando sobre o colapso do mito do sucesso, o longa faz a ideia de genialidade como destino desabar diante da realidade de um homem comum, mimado, confuso e sem direção. O que resta é ele falando sozinho em um quarto vazio.

Assim, o filme é menos sobre a ruína de um indivíduo e mais sobre o fim de uma ilusão coletiva: a de que privilégio é sinônimo de importância. E se em alguns momentos, Mooney é quase uma caricatura, há uma resistência à tentação de julgá-lo por completo, pois ele é mais um sintoma do tempo do que uma exceção. O vazio que carrega é coletivo, e o longa o trata como espelho: não é só ele que não sabe o que fazer com os próprios privilégios, é toda uma fatia da geração que perdeu o sentido de agir.

E se a narrativa às vezes flerta com o ridículo, o faz de propósito. Reichardt entende que o riso e o desconforto andam juntos, e incômodo nasce justamente da identificação. A mediocridade do protagonista pode ser exagerada, mas nunca é absurda. É o retrato de um tempo em que se confunde expressão com exposição, sensibilidade com vaidade. No fim, The Mastermind revela o que há de mais doloroso na apatia: o medo de não ser ninguém.

Um grande momento
O filho fica para trás

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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