Tão anunciado como um grande e criticamente aclamado novo filme de gênero da Netflix, Vozes, produção espanhola que atraca hoje na líder das plataformas de streaming, na verdade tem mais charme e ambiência do que novidade; como vivemos num momento onde a crítica transforma tudo em um acontecimento, positivo ou negativo, essa é a bola da vez do veículo, mas não se passa de mais um passatempo bem-sucedido com um final dito “surpreendente”. Bom, quem acompanha com afinco o terror/horror produzido no mundo, nem necessariamente se liga em “plot twist”, nem tem qualquer motivo para se impressionar com esse aqui.
De realização, sim, há competência em inserir os poucos personagens naquela narrativa que já vimos e que funciona como um subgênero dentro do gênero, a casa assombrada. Misturando elementos que vão de Horror em Amityville a Poltergeist, ao menos o longa do extremamente jovem Ángel Gòmez Hernández (que estreia em longas depois de uma série de curtas, todos de gênero) não nos poupa em exibir uma promissora carreira para seu realizador, caso ande por caminhos parecidos. Se conseguir apurar seus roteiros e exibir um amadurecimento como realizador, pode ser que um talento esteja se revelando.
Seus planos tem iluminação na medida certa, sem usar a escuridão para esconder falhas de produção – o que é comum, mas não acontece aqui; as imagens que ele consegue são de bom gosto estético, sem estetizar demais seus espaços. Embora falte à casa uma personalidade maior, para que se justifique sua atmosfera perigosa, o diretor compensa isso com sua própria lente, que elabora ela mesma o terror, sem depender da direção de arte ou do elenco, o que é a um só tempo positivo e negativo, mas é justamente Hernández como diretor o grande beneficiado dessas decisões.
Por enquanto temos a promessa, traduzida em um longa daqueles que provavelmente todos verão mas que não sobreviverá a muito tempo na memória. Ainda assim, se desenrolar é eficiente ao acompanhar uma família de negociantes de imóveis vítima de uma tragédia que parece não ter fim ao se mudarem para uma nova propriedade afastada da cidade, e onde é filmado 98% da produção sem demonstrar falta de imaginação ou reducionismo imagético; na verdade como a casa é como se fosse um personagem plus da produção, essa característica não e negativada.
A essa família é acrescida posteriormente dois novos personagens que introduzirão os elementos sobrenaturais e históricos da produção, mas com um toque curioso do roteiro. German é um escritor que passou a vida escrevendo sobre sons que os desencarnados emitem para se comunicar com os vivos, mas apesar de aparentar autoridade no assunto, na hora H ele se mostra tão incipiente no assunto quanto um leigo qualquer. É muito curioso observar a quantidade de “eu não sei” que German repete a cada vez que é inquirido, o que envolve o personagem em uma textura crível, mais um curioso sobre o assunto do que um especialista da prática.
Contando com muitos jump scares na manga, Vozes é um projeto de foco ao mesmo tempo em que se apresenta com muita modéstia e honestidade. Sem tentar inventar nada de novo ou surpreendente, Hernández realiza com segurança uma narrativa que até se encomprida pra além de necessário no seu clímax, indo de maneira muito vagarosa cena a cena sem explicar muito bem o motivo. Mas ainda que essas sequências finais do confronto entre dois planos tenham uma duração extensa, também elas são realizadas com muito cuidado e capricho, demonstrando uma habilidade com o gênero que provavelmente foi adquirida nos curtas anteriores.
Por fim, o filme escapa de uma encenação que pudesse exaltar o feminino porque sua espinha dorsal passeia por essa possibilidade, inclusive o desfecho é dividido em dois onde aparentava até determinado ponto que surgiria um aceno para uma exaltação às mulheres, mas Vozes só quer divertir mesmo, entregar seu produto básico, entregar uns sustos esperados, entreter por uma hora e meia e ser esquecido bem rapidamente.
Um grande momento
Árvore de gatos