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Névoa Prateada

Longe do futuro

(Silver Haze, RUN, HOL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sacha Polak
  • Roteiro: Sacha Polak
  • Elenco: Vicky Knight, Esme Creed-Miles, Angela Bruce, Charlotte Knight, Nicola Blend, Archie Brigden, Brandon Bendell
  • Duração: 100 minutos

Existe uma procura pelo naturalismo dentro do cinema europeu, que vai de encontro não apenas a uma vivência menos posada diante da câmera, como da tentativa de flagrar cada cotidiano mostrado em uma possível inserção de realidade. Cineastas como os irmãos Dardenne, Ken Loach, Mike Leigh, Andrea Arnold e um grupo infindável de nomes, têm na sua base de investigação a aproximação dessa classe proletária que estagnou a existência em um estado de catatonia emocional. Névoa Prateada é herdeiro desse cinema de ideias underground e realização idem, que funciona para cada um conforme for a aproximação desse cinema de intenções humanistas, que investiga cada recorte social com gravidade e urgência, traduzido de outra forma pela edição.

Franky tem 23 anos, e quando tinha 8, um incêndio em um pub a deixou coberta de graves queimaduras. A causa do acidente nunca foi esclarecida, mas sua família acredita que exista um culpado próximo a eles. Paralela a essa busca incessante, ela conhece Florence, uma menina muito mais nova que ela e que a leva a descobrir um amor diferente do que ela entendia como tal, sem ser sinônimo de dor. Ambientado entre espaços onde a carência afetiva é um motor acelerado para a criação de novas histórias de abandono, Névoa Prateada é um cinema que conversa com o manancial de perdas pela qual passamos com assustadora normalidade. Sem perspectivas emocionais, o que resta ali é o moto perpétuo de uma mágoa que nunca cessa. 

O filme persegue esse grupo de pessoas cujas vidas estacionaram em algum ponto, e do lugar onde estão, elas só conseguem observar melancolia. Sacha Polak é a autora por trás do roteiro e da direção, e existe uma conexão forte entre esse filme e Aquário, que também versava sobre uma juventude caída em uma normalidade acinzentada. O tom de Névoa Prateada não é de euforia inconsequente, embora as protagonistas sejam jovens e estejam apaixonadas. Apesar disso, o passado que as construiu impede que qualquer traço de felicidade seja perene; tudo parece a um fio de ser perdido, por maiores que sejam as certezas de suas decisões. Os traumas que foram sendo adquiridos durante os anos, o desamor que sempre lhes fez companhia, as múltiplas perdas, as fizeram como são, querendo amar mas nem sempre sabendo doar. 

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Apesar da atmosfera amargurada, é a própria existência dessas duas jovens e de seus respectivos irmãos, a amizade genuína entre eles, e os laços de afeto muito disfuncionais que vão sendo costurados ao longo da projeção, que moldam a eterna confiança sobre o próximo lance. Diferente, por exemplo, do abismo nulo de sensações que Zona de Exclusão provoca, aqui em Névoa Prateada existe uma proposição de horizonte; ainda que de forma conflituosa, existe uma busca constante por não estar no estado de espírito vigente. Essa procura é que eventualmente leva a mais choque, mais ruptura, porque não são percebidas as nuances de cada decisão. Seguem então rodando em círculos, tentando chegar a algum lugar diferente. 

É um período de transição que acompanha esse grupo. É adolescência para uns, início da idade para outros, e a possibilidade da finitude para ainda outro grupo. Não há nada concreto porque o tempo em que vivem não permite, suas condições sociais não permitem, suas correntes emocionais não permitem. O que acaba as cercando então são esses constantes embates, esse eterno recomeço e sentimentos tão demasiados que se esgotam rápido demais – e tornam a fazer sentido. Polak não tem medo de parecer intensa, e envolve Névoa Prateada em uma constante tentativa, como se cada um ali não tivesse qualquer certeza a respeito do futuro, então precisam do tempo presente para que algo faça sentido. 

O elenco faz a diferença aqui, porque a falta de glamour geral acaba contaminando cada rosto e cada corpo em cena. No entanto, os desempenhos de Angela Bruce e de Vicky Kinght, no segundo trabalho com Polak, são especiais, inclusive pelo elo que é formado entre elas. Uma mãe sempre disposta a acolher mais um, e uma jovem mulher que nunca soube o sentido de família. Sua união comove e povoa Névoa Prateada de afeto genuíno, em meio às explosões de cada um.

Um grande momento

Franky conta sobre a noite do incêndio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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