Crítica | Festival

El silencio del cazador

(El silenzio del cazador, ARG, 2019)

  • Gênero: Drama
  • Direção: Martín De Salvo
  • Roteiro: Francisco Kosterlitz
  • Elenco: Pablo Echarri, Alberto Ammann, Mora Recalde e Cesar Bordon
  • Duração: 103 minutos
  • Nota:

Assim que o roteiro de Francisco Kosterlitz estabelece suas bases e o triângulo entre Venneck, Guzman e Sara ganha espaço completando os conflitos, o filme deixa escapar que sua trajetória se baseará mais na condução desses mesmos conflitos ao invés de ressignificá-los; seu lugar na tela é de observar e construir tipos já vistos, ainda que eles sejam bem encenados e conduzidos. Há um óbvio prazer em acompanhar um filme tão delicado e competente, mas não há novidades em cena e rapidamente isso fica compreendido. A honestidade da produção em não prometer nada além do esperado e entregar um material de qualidade valem pontos e constituem seu grande acerto.

A atmosfera opressiva e o teor intenso de El silencio del cazador está presente na tela desde os primeiros minutos de projeção, que anuncia com sua câmera febril e sufocante todo o clima pretendido pelo experiente diretor Martin Desalvo. Com aquele típico tratamento imagético que os irmãos Dardenne (Dois Dias, Uma Noite) aplicam a seus longas, que variam entre a crueza, a “sujeira” que os classifica como ultra realistas e as lentes acopladas aos corpos dos atores, quase lendo seus poros, o filme impregna tensão mesmo em passagens frugais graças a essa pressão que a imagem elabora para a narrativa.

El silencio del cazador

Como se trata de uma produção argentina com participação efetiva de povos nativos, um dado mitológico é introduzido através da lembrança imemorial de um animal ancestral que caça pelas florestas onde o filme se situa e foi rodado. Essa criatura citada por Venneck como oriunda de sua infância habita o imaginário do personagem, mas volta para assombrar toda a vila. Se esse elemento tivesse desenvolvimento que ultrapassasse poucas pinceladas práticas para o roteiro e a narração de sua testemunha, talvez tivesse estabelecido um segundo ponto focal ao filme para além da disputa masculina cheia de testosterona.

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Mas ao utilizar da mitologia local, ainda que uma criada especialmente para o filme, e da mão de obra da mesma, mas como um pano de fundo genérico sem dar voz (literalmente) ao seu povo, o filme incorre num erro muito antiquado, enquanto filmes como Los Silencios celebram essas mesmas vozes e esses mesmos povos. Além disso, deixa de utilizar uma matéria-prima das mais ricas, que poderia justamente levar sua narrativa a um lugar superior de ligação ancestral com essas raízes de acesso local mas que reverberariam em um olhar etnográfico complementar.

El silencio del cazador

Sara, que poderia ter muito mais substância que ser o cume que une esses dois machos feridos, fica relegada a se contradizer no esquema quer ter um bebê/não quer ter um bebê, sem muita explicação gráfica. A dúvida a respeito de uma idoneidade da protagonista feminina ajudou a construir grandes títulos nas artes (quem lembra de Bentinho e Capitu?), mas aqui diminui a potência da produção ao relegar sua personagem a um troféu disputado que não se posiciona e cria essa cortina de fumaça que vai desencadear enganos e julgamentos errados, quase burocraticamente.

Ao fim e ao cabo, a violência inerente aos homens suplanta qualquer lenda por mais abstrata que seja, e nos reposiciona como os verdadeiros animais ferozes prontos para as maiores destruições – passionais acima de tudo, tanto argentinos quanto brasileiros. Mesmo que a metáfora final seja essa, mesmo que os talentosos Alberto Ammann (premiado por Cela 211) e Pablo Echarri (premiado por O Que Você Faria?) dominem a tela com muita categoria, El silencio del cazador não consegue – e talvez nem queira – sair dos clichês de sempre, inclusive dos que estereotipam mulheres e minorias.

Um grande momento
A chegada de Venneck à festa

[48º Festival de Gramado]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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