Crítica | Streaming e VoD

100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi

Zumbis nunca são demais

(ゾン100 ~ゾンビになるまでにしたい100のこと~, JAP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Terror
  • Direção: Yûsuke Ishida
  • Roteiro: Tatsuro Mishima
  • Elenco: Eiji Akaso, Mai Shiraishi, Shuntarô Yanagi, Kazuki Kitamura, Yui Ichikawa, Akari Hayami
  • Duração: 128 minutos

Se tem um subgênero dentro do terror que eu adoro e raramente me canso, é o do filme de zumbi. Mais ou menos engraçado, mais ou menos sangrento, são títulos que geralmente trazem uma reflexão social marcante desde A Noite dos Mortos Vivos, de George Romero. É uma marca que se mantém vibrante e que não perde a contemporaneidade, e após uma pandemia real, esses títulos se transformaram quase em retrato real do nosso tempo. A Netflix acaba de estrear 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi, produção japonesa baseada em um ‘anime’, que é mais uma ideia a ser desenvolvida política e socialmente. Não deixa de entregar tradicionais discussões que permeiam filmes como esse, e é uma diversão sem qualquer risco de parecer repetitiva, ainda que nada esteja sendo inventado aqui; esse é o lado bom de se produzir algo de qualidade.

Dirigido por Yûsuke Ishida, 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi, na balança entre ser uma comédia sangrenta ou um terror cômico, creio ter escolhido a primeira opção, e essa foi uma decisão que realçou ainda mais o caráter crítico da obra. Quando na primeira cena, o protagonista fugindo de uma horda de mortos em fúria declara “preciso correr, ou vou chegar atrasado no trabalho”, percebemos que o caminho já está pavimentado. Apesar de voltar, a partir daí, em 1 ano no tempo, o filme é veloz no pré-zumbificação para que sua narrativa se concentre nos eventos que o título explicita, e a partir de então o que já estava agendado, se torna ainda mais premente. Quanto mais avança na direção do gênero, mais forte se tornam os contornos de outras categorias, e esse propósito se realça. 

Existem, aqui e ali, cenas que colocam o filme em algum lugar menos óbvio, mas mesmo essa repetição é muito bem sucedida em termos de realização, e isso faz com que o espectador se sinta confortável para adentrar um universo facilmente reconhecível aos fãs. Aos poucos, 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi elabora um pensamento crítico acerca do totalitarismo pequenino que existe além do que é extraordinário, e já se mostrava existente previamente ao fenômeno se instalar. Se tudo é tratado com tintas cômicas, é também através delas que o título eleva sua discussão, com sutileza. O chefe fascista que explora seus funcionários (e posteriormente, achará uma boa ideia explorar inclusive os zumbis) é uma figura que marca o roteiro, e o mesmo não consegue se livrar dele, levando sua presença para além do imaginado. Não é prova apenas do carisma do ator, mas principalmente da potência da mensagem. 

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O roteiro de Tatsuro Mishima divide o filme em alguns miniblocos, e vamos sendo inseridos nessa atmosfera, que vai do relato de um trabalhador explorado pelo capitalismo, até a revolta sistemática de todos os que foram a cada dia inseridos nesse contexto. Posterior a isso, como em Madrugada dos Mortos, vemos que cada refúgio encontrado pelos heróis, são lugares adornados pelo consumo. Até o momento onde sua única saída seja encontrar um Shangri-lá perdido, 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi coleciona encontros mais tradicionais entre os que têm consciência e os quem já as perdeu para o mundo exterior. O mais curioso é observar que seu protagonista já era zumbi antes de começar o surto mundial, e essa ironia da narrativa irá criar nova camada assim que ele reencontrar o posto perdido; a busca pela liberdade ao Estado raras vezes foi costurada assim. 

Ao caminhar, 100 Coisas para Fazer Antes de Virar Zumbi não perde as características que trazem a segurança esperada pelo público-alvo, e se isso emperra sua criatividade, também mostra, através de uma direção especial, que esse é um produto com algum diferencial, ao menos para o padrão habitual ‘netflixiano’. Com um trio de protagonistas inspirado e seus desenhos de personagens bem desenvolvidos, embora óbvio, o filme avança com uma barriguinha mínima até o princípio do clímax, onde tudo volta a se equalizar. O filme caminha na direção de um desfecho muito potente, que eleva o material mais uma vez, mostrando que valeu a pena chegar até ali, apesar da duração esticada. Definitivamente saímos da sessão com uma impressão muito boa, e a culpa é desse final que amarra toda a experiência de maneira inesquecível, nessa nova sátira social azeitada e com alguns planos muito bons; vai ser difícil esquecer o casal nas águas termais… 

Um grande momento

Definitivamente, o tubarão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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