Festival de Berlim

Xingu pela metade

Uma quinta-feira, hora do almoço, dia ensolarado na capital alemã. No Cinemax 7, um dos principais cinemas do festival, Xingu teve hoje sua terceira exibição.

O cinema estava cheio, mas longe de estar lotado. Depois de uma lista de créditos que tomou quase 7 minutos, um moderador mal preparado e com o tempo escorrendo pelas mãos soltou uma pergunta álibi a cada um dos presentes.

Foi a primeira exibição com a presença física do diretor Cao Hamburger, que chegou somente na quarta-feira à capital alemã. Além dele, João Miguel e Caio Blat. O moderador de longa data da mostra “Panorama” estava estressado com o horário, já que o cinema está planejado com uma agenda apertadíssima.

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Antes mesmo dos créditos terminarem, as portas laterais do cinema já foram abertas, o que pode ser interpretado como um gentil convite a se retirar. Quanto menos espectadores ficam na sala, menos perguntas serão feitas, menos tempo será necessário.

Todo esse estresse na cola do sapato do moderador foi passado para os atores. Cao Hamburger quase não se pronunciou. Quando o fez, optou for falar um inglês tão ininteligível e confuso que até mesmo o moderador fez rugas na testa, mas não havia tempo de perguntas de esclarecimento.

Já João Miguel foi bem mais esperto. Falou tudo o que queria em português e o tradutor, mesmo com alguns erros, conseguiu passar a mensagem. A pergunta álibi para Caio Blat não colou. Ele, com uma auto-estima muito saudável, praticamente roubou o microfone e falou num excelente inglês a mensagem política que todos na platéia esperavam. Falou com sinceridade, firmeza e conteúdo e ainda possibilitou ao público ir pra casa com algo consistente.

Enquanto João Miguel e Caio falavam, o diretor Cao Hamburger de cabeça baixa e braços cruzados parecia querer se tornar invisível.

Na minha função de curadora de filmes, é condição inegociável oferecer ao público a possibilidade de um bate-papo, de trocar idéias e impressões depois da exibição do filme. Senão todo aquele alimento intelectual anteriormente consumido fica indigesto na mente, nos acompanha por umas horas de frustração e depois desaparece.

Um dos festivais mais bem organizados do mundo hoje cometeu uma enorme gafe, um erro imperdoável de planejamento das salas de cinema. Já na saída da porta, alguns poucos corajosos vieram cumprimentar João Miguel, visivelmente estressado e Cao Hamburger como se fosse pegar o último trem.

A parte do leão dos aplausos foram de cordialidade, não de entusiasmo. Até mesmo Berlim, como festival categoria A, peca por subestimar o valor de uma tradução concreta e exata, principalmente quando se trata de um tema complexo. A mostra “Panorama” não fez o seu dever de casa, causando frustração nos protagonistas e nos cinéfilos.

Quando o lema que rege é “The show must go on” a oferta cultural fica pela metade até mesmo no festival de cinema de Berlim.

>>>Veja o vídeo do “bate-papo” com o diretor e os atores João Miguel e Caio Blat

Fátima Lacerda

Fátima Lacerda é carioca, radicada em Berlim e cobre o festival desde 1998. Formada em Letras no R.J e Gestão cultural na Universidade "Hanns Eisler", em Berlim é atuante nas áreas de Jornalismo além de curadora de mostras. Twitter: @FatimaRioBerlin | @CinemaBerlin
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