Crítica | Festival

Nós Somos o Fugazi de Washington D.C.

'Smells like teen spirit'

(We are Fugazi from Washington D.C., EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Joe Gross, Jeff Krulik, Joseph Pattisall
  • Elenco: Ian Mackaye, Guy Picciotto, Joe Lally, Brendan Canty
  • Duração: 96 minutos

É bonito o que o Cinema consegue, de quando em vez. Entender o que é apropriado auto declarar-se como tal, mas sem sê-lo, e evidentemente vice-versa. Aí existem os óbvios movimentos contrários a isso, quando as imagens habitam o imaginário com tamanha força que um movimento seja criado em sua direção. Um movimento que se identifica com o furor do que é captado, para que o trabalho coletivo (aquele capturado, aquele montado, aquele encenado) enfim encontre escapatória para a iconografia de planos. Nós Somos o Fugazi de Washington D.C. nasceu, em gênese,  para ser celebração momentânea, para ser catarse passageira cujo arrebatamento encontra-se em local, hora e data distintos, longe da tela. Por esse mesmo motivo, a mitificação em torno do que se vê é o que constrói sua necessidade de ser Cinema. 

O Fugazi é uma banda de rock (hardcore, dizem uns) formada em 1986 e identificada como ‘em hiato’ pelo wikipedia desde 2002. Quem os assistiu, ouviu, admirou, mantém a fidelidade em torno do que foi criado, e que o trio Joe Gross, Jeff Krulik e Joseph Pattisall tenta compreender, em espírito, através de imagens que sempre existiram. Com essas imagens, cria-se um mosaico de sensações e mergulhos, que tem pouco a ver com o que se acredita chamar de processo cinematográfico, porque nasce da ânsia de transformar em documento um tempo, e uma experiência. Ora, se o melhor Cinema é cada vez mais atrelado a essa necessidade de experimentação, então Nós Somos o Fugazi de Washington D.C. compreende não apenas o tempo retratado, como os movimentos menos engessados da cinefilia. 

O palco (ou ‘os palcos’) filmado não é apenas cenário, mas convite, desde a primeira sequência; o show filmado a partir dele, no espaço em questão. Existe essa ideia de mostrar-se em sua unicidade (“isso não foi possível antes, por outras bandas, em outros shows”, com frequência declaram que os filmou), mas essa mesma psicodelia do que foi feito é carregado para dentro da tela, como parte fundamental do que é formatado. Através da exibição promovida pelo Festival Lumen – que outro evento poderia trazer algo como… isso? – o espectador é monitorado para dentro de uma energia que não é forjada; está intacta, com seus erros e acertos. É tudo verdade o que vemos em Nós Somos o Fugazi de Washington D. C.,e contrariando o que seus diretores declaram; isso não é um filme, declararam Jafar Panahi e Chantal Akerman. Pois bem. 

Paralelo a esse desejo de não ser, Nós Somos o Fugazi de Washington D.C. não se furta em mergulhar quem é capturado pelas imagens no turbilhão de eventos que se desenrolaram naqueles palcos, agora encenações. As câmeras, múltiplas e operadas por múltiplos sujeitos, se comportam em sua maioria como uma espécie de testemunha impecável, que não resistirá muito até aderir ao espetáculo. Por isso continuamente ela vibra, aproxima-se, captura um close inesperado, e foge do local do crime, para dar vazão a quem cometeu tais agruras. É isso, trata-se de cinema-festa, onde os aniversariantes não foram convidados a comparecer; aqui, basta a febre de estar vivendo no mesmo lugar onde o experimento nasceu. 

Para um filme que não ousa ser chamado de tal, a edição de Pattisall extrapola suas necessidades, até chegar no momento onde a tela se divide para que estejamos na mesma cena duas vezes, sob dois pontos de vista, um encarando o outro. É nesse momento que lamentamos ao seu trio de diretores pelo desapontamento de ter sim de chamar Nós Somos o Fugazi de Washington D.C. o que efetivamente ele é: filme, e nem é qualquer um. Ao formar o espectador (o de suas ópera-rock, e o de seu registro vibrante) com a mensagem que suas letras e atitudes encampam, seus performers mostram sua excelente formação ao sair de enrascadas ocasionais e educam uma geração de cabeças pensantes a não perder meia dúzia de verdades de vista. E nem filme e nem Fugazi usam de qualquer doutrina em cena; as coisas são como são, explosivas e verdadeiras, assim. 

Um grande momento
Fugazi, cara a cara 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

0 Comentários
Mais novo
Mais antigo Mais votados
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo