- Gênero: Comédia
- Direção: Mariano Cohn, Gastón Duprat
- Roteiro: Mariano Cohn, Andrés Duprat, Gastón Duprat
- Elenco: Penélope Cruz, Antonio Banderas, Oscar Martínez, José Luis Gomez, Manolo Solo, Nagore Aranburu, Irene Escolar, Pilar Castro, Koldo Olabarri, Jean Dominikowski
- Duração: 115 minutos
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Acaba de entrar em cartaz na Star+ um dos concorrentes mais chamativos do último Festival de Veneza, Concorrência Oficial. Estrelado por Penélope Cruz, Antonio Banderas e Oscar Martínez, o filme é um ácido ataque a um certo olhar elitizado sobre a cultura, a respeito da própria cultura. Uma aventura olhada tão de dentro do olho do furacão, que por muitas vezes o espectador não compreende se aquelas quotes tem a intenção de fazer graça, ou apenas de refletir o estado das coisas. Essa percepção é assimilada a cada nova sequência – ou seria esquete? – que tenta introduzir à produção essa crítica aguda, mas que tenta criar algum vínculo com seus personagens, pelo menos por algum tempo. Aos poucos, esse interesse começa a se esvair da realização e o roteiro demonstra seu cansaço.
Dirigido e escrito pela dupla Mariano Cohn e Gaston Duprat (de O Cidadão Ilustre), o filme é uma resposta mais íntima a The Square, mas ambos convergem suas intenções. O trabalho dos diretores argentinos tem uma contenção que o sofistica de alguma forma, quando colocado ao lado do longa de Ruben Östlund, que tem uma agudeza incômoda. Aqui, a cultura não sofre com os ataques do roteiro, reverbera questões de interesse nichado, mas de comum compreensão coletiva. Ainda que extrapole suas ideias com algum estereótipo, os cineastas continuam sua tradição de manter a elegância em dia na hora de apontar suas armas, cujos tiros continuam certeiros, porém aqui menos fatais. Tem muito calor humano, muito cuidado com o próximo, coisa que falta ao europeu, mas ainda assim sua visão sobre a arte continua devastada.
Por incrível que pareça, a coisa que chama a atenção de cara em Concorrência Oficial é o trabalho sonoro. Existe um cuidado com o material apresentado que reflete detalhes já do roteiro, que costura esses detalhes com muita categoria. O som, nesse filme específico, desempenha um papel de instabilidade nas relações entre os três protagonistas, que percebem suas agruras e as potencializam mutuamente. Há esse incômodo que vai se intensificando, essa barreira de incomunicabilidade que é percebido e se eleva a cada novo encontro, com o som sendo cada vez mais percebido como fator para construir uma barreira entre eles ainda maior. Além dessa preocupação em introduzir seus elementos à narrativa, a execução em si é de qualidade inegável, entregando uma evidência que diferencia sua cartilha.
Há, na obra dos cineastas, uma proximidade à crítica de arte, como se ambos se colocassem em lugar da análise na direção do que podem observar, de seu lugar privilegiado. Todos os seus longas (Minha Obra-Prima, O Homem ao Lado, o já citado Cidadão) são sobre artistas e suas idiossincrasias, suas ligações com a arte, de maneira obsessiva/tóxica ou não. Aqui, essa relação é elevada em um grau ainda mais específico, mas ainda dentro de um espectro da sutileza, porque essa é a natureza dos autores. Suas inquietações partem da ação para mover seus personagens, ainda que criem deliberações não raro estanques. Ainda assim, dessa vez a crítica é muito direta e áspera, suas escolhas de desenho são deliberadamente estridentes dentro do campo onde eles costumam atuar.
Ajuda muito que o filme tenha pra si o trio de atores que tem, três artistas em pleno exercício do ofício. Especialmente Cruz mostra um momento invejável de carreira, com uma personagem que ela poderia ter resvalado em sua personificação da Maria Elena de Vicky Cristina Barcelona, ela opta por uma outra curva. Acentuada em sua visão de artista excêntrica, Cruz nunca exacerba suas tintas, optando por encontrar uma neutralidade dentro daquele personagem já muito exposto. Banderas e Martinez estão em igual espaço de contenção, deixando que o filme faça por eles o trabalho de extravasar seus excessos. Cada um possui momentos de brilho unitários, mas é a musa de Almodóvar que mais uma vez está lendo de maneira perfeita seu espaço em cena, até quando nem é dela o espaço. Cruz é daquelas raras profissionais que interpreta até quando não há holofote sobre si – no canto da tela, está vivendo sua Lola Cuevas, nem que seja só pra si.
É esse trio tão especial que faz o roteiro de Concorrência Oficial, que dessa vez não conta com as qualidades gerais dos anteriores, ser obliterado, provocando uma ausência de eco. O personagem que abre a premissa, um senhor rico e egocêntrico com a própria imagem, não se justifica ao longo da narrativa, e a personagem da sua filha é muito triste de desenvolvimento, parecendo servir apenas à uma cena de “beijo triplo” – a atriz não tem fala em nenhum momento, e isso é no mínimo desrespeitoso com o espectador, imagina com ela. Todas as situações parecem circundar um ponto X, se resolver ali mesmo, e o filme segue adiante para o próximo micro arco. Nesse sentido, as cenas exteriores aos ensaios da produção soam todas desnecessárias, porque seus personagens já se apresentam (até de maneira ostensiva) durante os encontros. Fica a sensação de que a primeira versão do roteiro foi a filmada, infelizmente.
Um grande momento
O desabafo de Félix