Crítica | Festival

Sublime

A rotina tem seu encanto

(Sublime, ARG, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Mariano Biasin
  • Roteiro: Mariano Biasin
  • Elenco: Martín Miller, Teo Inama Chiabrando, Azul Mazzeo, Joaquín Arana, Facundo Trotonda, Emma Subiela, Candela de Carli, Marcelo Subiotto, Carolina Tejeda, Javier Drolas
  • Duração: 95 minutos

Nem sempre o cinema vive de inovação de linguagem, revolução de narrativa ou de representatividade estética. Na maior parte das vezes, na verdade, estamos falando daquele clichê – o ‘feijão com arroz bem feito’. Em alguns momentos, essa iguaria tipicamente brasileira é temperada com especiarias indianas, pelas mãos de um dos principais chefs da indústria. Saber realizar ainda é o motivador do cinema, e não tirar imaginação de onde não precisa, e esse é o caso de Mariano Biasin em seu Sublime, produção que estreou no Festival de Berlim deste ano e está sendo exibido no 30o. Mix Brasil. Diferente da sessão do mesmo dia, Swallowed, não há a necessidade de exercitar formalmente uma profusão de gêneros e bifurcações para chegar ao que vemos aqui. 

Atuando em curtas, Biasin faz sua estreia em longas solo, com uma sensibilidade para manter as coisas dentro de um quadro de naturalismo sem absorção de qualquer artificialidade. A relação dos pais de Manu, por exemplo: o adolescente, que é o protagonista da produção, está passando por processos ao largo da situação de seus pais. O resultado disso é que, como o foco é direto em Manu, não sabemos exatamente o que está acontecendo ali, a não ser que está sim acontecendo algo, e é grave. Só que, ao contrário de outras produções, Manu não escuta atrás das portas, uma conversa não vaza para seu ouvido, nada que ajude o espectador. E isso é uma construção tão especial e diferenciada que o espectador comum demora a reconhecer tal mérito, se é que o faz. 

Sublime (2022)
Cortesia Festival Mix Brasil

A trajetória de Manu é algo prosaico para qualquer adolescente. Ele está na faixa dos 15 anos, tem uma namorada chamada Azul, toca em uma banda com outros três amigos, sendo que um deles é o Felipe, e eles são unidos desde a infância. Felipe está com Iara sem compromisso, e Felipe acabou de perder a virgindade com Azul. Sua casa está passando por problemas, e sua irmã menor tem fixação nele. Tudo segue de maneira casual. De repente, Manu percebe que o que sente por Felipe não é mais amizade. Isso leva Sublime para fora da curva, mas inclusive isso é tratado sem qualquer alarde, ou mesmo algum sinal de peculiaridade específica. Essa é a vida de Manu, que está crescendo e percebendo que não adianta tentar escolher; o que se é está escrito. 

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Nesse mesmo momento, Close (que também está no Mix Brasil) é um dos favoritos ao Oscar de filme internacional e trata desse assunto com mais ênfase e urgência, em idade ainda menor. Ambos se encontram nessa necessidade de reverberar que, mesmo nossa orientação sexual, não acontecerá da maneira espalhafatosa que se faz ideia. As coisas simplesmente são, e não existe muito espaço para análise nessas duas obras porque sua banalidade está em desconstruir também esse peso. Em contrapartida, o filme de Lukas Dhont parte de elementos agudos e definitivos para ampliar sua narrativa; Sublime não. Tudo está em seu devido lugar, resta aos indivíduos saber lidar com as motivações diárias, que não estão ao nosso dispor. 

Sublime (2022)
Cortesia Festival Mix Brasil

Biasin filma também com essa intencionalidade, a de romper com o que o cinema motivou enquanto códigos narrativos, de urgência ou placidez, sem angariar desejos para um lado ou para outro. É uma fonte de leitura do cotidiano, mas com sua capacidade de envolver o espectador e possibilitar uma outra entrada de beleza. É como se os signos, que já foram devidamente desenvolvidos em outros entendimentos cinematográficos, agora servissem apenas ao frugal. As coisas estão acontecendo sem qualquer grau de sublimação, e os sonhos de Manu entram como um recurso único de abstração de uma possível verité. Nesse quadro, Sublime entrega sua proposta de fascínio em torno de um grupo de personagens que transitam em torno de seu protagonista, mas sem abafar o estudo de personagem que Biasin contempla. 

Nesse sentido, a produção é cinema de amadurecimento e também construção de indivíduo, sem distinção. A forma como tudo acontece em seu próprio tempo, em uma textura muito particularmente amplificada, é a deixa para Sublime conseguir extrapolar do que já comumente vimos. Sim, já vimos esses elementos, mas eles raramente pareceram tão vívidos, tão humanos, tão quentes. É a mão da irmãzinha no ombro de Manu, é o coração feito com a mão pelo vocalista da banda, são as perguntas diretas do pai performando naturalismo, são os sonhos que nunca estão no lugar que a gente deseja (iguais aos meus, aos de todos). É filmar apenas as costas de Manu, enquanto mais uma vez a vida dizer que as coisas não estarão no lugar que ele deseja. É uma beleza de comunicação sutil e pouco utilizada, que fazem desse longa uma experiência especial. 

Um grande momento
A conversa com Iara – mas poderiam ser muitos outros

[30º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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