- Gênero: Fantasia
- Direção: Francis Lawrence
- Roteiro: David Guion, Michael Handelman
- Elenco: Jason Momoa, Marlow Barkley, Chris O'Dowd, Kyle Chandler, Weruche Opia, India de Beaufort, Chris D'Silva, Humberly Gonzalez, Izaak Smith
- Duração: 115 minutos
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Uma coisa hoje já é clara: se o filme é uma produção Netflix com grandes astros, uma produção nível blockbuster, as chances do grande público considerar, no máximo, um filme descartável são enormes – mas as chances de ser considerado intragável são ainda maiores. Só isso justifica (e, pra mim, é a resposta concreta) o mau humor a filmes como Terra dos Sonhos, enquanto algo tão anódino quanto Sorria é considerado ‘uma grande surpresa’. Um produto ‘de cinema’, hoje, é considerado bom/acima da média somente por sê-lo, enquanto o streaming precisa realizar muito mais do que faz. Uma pena que não haja boa vontade com uma produção tão graciosa e cheia de uma reflexão (ok, até é uma reflexão extra fílmica) como aqui.
O diretor Francis Lawrence também não ajuda. O cara fez alguns filmes bastante interessantes como Constantine e Eu Sou a Lenda, além de dois Jogos Vorazes, e simplesmente é uma figura menor da indústria. Aqui, não é feita uma pergunta no filme, mas o espectador, se já não entrou com ela graças à vida, definitivamente ao menos os mais sensíveis terão uma pulga atrás da orelha: de onde vem essa ficção chamada sonho? Durante toda a minha infân…quer dizer, durante minha vida mesmo, eu me pergunto (e brinco) a respeito da máquina de sonhos, dos fazedores de sonhos, da burocracia no escritório onde os sonhos são produzidos. Pois Terra dos Sonhos é um filme mais ou menos sobre isso mesmo, o lugar e as pessoas por trás dessa manifestação que ocorre quando dormimos.
Jason Momoa é uma figura lendária dentro desse universo, e empresta seu carisma a Flip, que encontra a pequena Nemo e resolve ajudá-la a encontrar seu grande amigo e pai dela, que no Mundo Acordado faleceu, mas pode estar escondido em algum lugar da terra do título. O filme é uma fantasia infanto juvenil que impressiona pelos efeitos especiais caprichados, mas que tem temática para prender também os adultos. Não se trata de uma produção revolucionária, mas também passa ao largo da quantidade ordinária de coisas que o cinema tem oferecido, mas que são perdoadas. Há um encantamento nessa espécie de ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças só para baixinhos’, que funciona – como os melhores exemplares do ramo – como uma espécie de terapia infantil diante da perda e da depressão pós eventos traumáticos.
Um dos problemas de Terra dos Sonhos está na própria ideia do filme. Tão rica como é, nenhum material de curta duração daria conta de desdobrar todos os caminhos possíveis para tal empreitada. O que fica na superfície, por exemplo, é o fato de nos adentrarmos por poucos exemplos de manifestações oníricas, somente três ou quatro; é pouco quando pensamos no tanto que poderia ser mostrado. É, aí sim, como todo produto em larga escala da Netflix, algo que não se infla em sua psicologia ou em suas possibilidades, pelo contrário, sua manutenção é feita o suficiente para que faça jus ao produto. A sensação não é de irritação ou de deboche, mas de decepção com o pouco que se obtém de algo que poderia ter a proporção que os sonhos habitam.
A menina Marlow Barkley tem a melhor sexta-feira do ano, porque está entrando em cartaz aqui e em Spirited, da Apple+. É daquelas promessas que não podemos perder de vista; sensível, arguta, muito inteligente cenicamente e casando carisma com Momoa, a dupla nos faz embarcar sem medo na aventura proposta. Como não lhe falta talento e presença, ela também é uma aposta da Netflix para segurar a atenção do filme, o que faz com louvor. Nemo é uma personagem cheia de angústias, vivendo uma dor em momento dilacerante, e que precisa reagir a esses sentidos de maneira mais humana, o que a menina consegue. Um caso de mini grande revelação, Barkley fica na memória depois que Terra dos Sonhos acaba.
Ultra colorido e com ritmo ágil, apesar de falar abertamente sobre processo depressivo, Terra dos Sonhos é um passatempo bonito de se ver e importante de se abordar. Com a pandemia, a quantidade de crianças que entraram nesse processo aumentou muito, e um filme como esse pode ajudar um tanto de pequenos cinéfilos. Ainda que não banque a proposta por muito mais tempo do que poderia, o filme não é descartável ou fraco, e sim uma produção para consumo ligeiro que guarda em si uma sensibilidade aguçada, com um roteiro que cria saídas muito sagazes para seu modesto quebra-cabeça. Não é pouco e nem deve ser menosprezado.
Um grande momento
Nemo reencontra Flip ‘no céu’