Crítica | Festival

A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele

À procura de um filme

(Het leven en de vreemde verrassende avonturen van Robinson Crusoe die acht en twintig jaar helemaal alleen op een bewoond eiland leefde en zei dat het van hem was, BEL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Experimental
  • Direção: Benjamin Deboosere
  • Roteiro: Benjamin Deboosere, Elisabeth Mohr
  • Elenco: Oriana Ikomo, Bernice Leming, Blanche Pembe
  • Duração: 75 minutos

Lembro que ler ‘Moby Dick’ e ‘Robinson Crusoé’ fizeram com quem me sentisse adulto, lá na adolescência; tinha consciência que eram clássicos da literatura e, mesmo obrigatoriamente, tive um carinho muito grande pelas obras. Publicado em 1719, o romance de Daniel Defoe rende uma nova “adaptação” – e isso sim pode ser dito sobre o filme, que se trata de uma obra absolutamente adaptada. A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele, assim mesmo com esse título minúsculo (e que é o título original da obra) foi selecionado para a sessão Novos Olhares do Olhar de Cinema 2023, e esbanja… tentativa. 

O cineasta Benjamin Deboosere tem apenas 39 anos e não lhe falta coragem, ao se aproximar de algo tão icônico para a literatura moderna e desconstruir sua matriz através de imagens e escolhas que quase remontam a ideia original. Talvez essa seja a ideia mais bem sucedida aqui; tendo em vista que, se você não leu o livro original, o próprio título já provém spoiler suficiente, porque não partir dessa sinopse para uma desconstrução? Desse jeito, A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele mostra um novo herói, com novas diretrizes a cumprir, e um diretor que tenta nessa reimaginação conversar sobre o hoje, em resultados esperados. 

Ao percebermos que Crusóe, aqui, é vivido por uma mulher preta, qualquer informação nova a respeito do longa parece desnecessária, porque já temos em mãos essa fonte de debate. Deboosere trabalha com uma companhia de dança para encenar esse filme em cenários fiéis que mais evocam do que se debruçam sobre o que está no texto original. E nem é uma questão de buscar uma fidelidade canina, mas do que é de fato explanado aqui, cuja experimentação ultrapassa alguns limites. Do que vemos, A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele é tão um filme quanto poderia ser também uma instalação em uma exposição, a se conferir uma ou outra sequência, e continuar um tour de museu. 

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Ainda que estejamos constantemente interessados no que é mostrado, a cada nova sequência somos recompensados pela frustração seguinte de perceber que nada vai chegar a algum lugar mais específico. Aos poucos, compreendemos que a narrativa é uma linha tênue demais para tentar acompanhar essa obra que, como qualquer outra, precisa de independência para mostrar seus predicados. O resultado é um espetáculo; sim, a palavra me parece mais apropriada que ‘filme’, que seria redutor ao que é mostrado. A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele está muito mais atento às performances e ao corpo coletivo da obra que exatamente ao ato de contar uma história, ainda que de maneira experimental. 

A passagem que eleva A Vida e as Estranhas e Surpreendentes Aventuras de Robinson Crusoé, que Viveu Vinte e Oito Anos Sozinho em uma Ilha e Disse que Era Dele, vejam só, não conta com o protagonista. Gio, a cabra abandonada pela família/rebanho e precisa lidar com as tais pressões familiares que seu capítulo anuncia, é a figura mais interessante do título, e tem muito menos espaço do que deveria. Ainda que sua passagem seja delirante, é nessa constituição que a pena de Deboosere encontra assinatura e beleza. É através da história dessa indefesa criatura que o filme parece encontrar um norte, e falar sobre a solidão, a ideia de forjar uma nova persona quando nos encontramos sozinhos, e de como a vida em sociedade é muito mais superestimada do que gostaríamos. Ou seja, na voz de Gio, o autor aqui parece mais próximo de Defoe, e de um filme de verdade. 

Um grande momento
Gio se esconde

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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