Crítica | Streaming e VoD

Paraíso

Corrida contra o tempo - literalmente

(Paradise, ALE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Ficção científica
  • Direção: Boris Kunz
  • Roteiro: Simon Amberger, Peter Kocyla
  • Elenco: Kostja Ullmann, Corinna Kirchhoff, Iris Berben, Marlene Tanczik, Lorna Ishema, Numan Acar, Tom Böttcher, Lisa Loven Konasli, Alina Levshin
  • Duração: 110 minutos

Existem uns projetos de premissa tão fascinantes que, no afã de se encantar com aquela narrativa, muitas vezes não percebemos o óbvio: eles mereciam mais do que os filmes dão. Esse é o caso de Paraíso, novo sucesso da Netflix, que não encontra todo o espaço de desenvolvimento que seu roteiro permitia. Mesmo não sendo um adepto das séries, tenho total consciência de que muitas histórias precisam de mais do que duas horas para serem plenamente desenvolvidas – e, às vezes, mais do que três ou quatro. Ao longo da “curta” duração aqui, vamos percebendo, não apenas ao final mas ao longo de toda sua tentativa de apresentação, que o império Aeon, a saga de Max Toma e a história de Sophie Theissen pediam muito mais do que o filme lhes oferece. 

Dirigido por Boris Kunz, Paraíso se assemelha a um filme esquecido de 2011, O Preço do Amanhã, onde Justin Timberlake e Amanda Seyfried lidavam com uma distopia futurista parecida, onde ricos tinham o tempo que quiser de vida e os menos favorecidos entravam em constante desespero por não ter o mesmo poder. Aqui, a tal Aeon é uma empresa alemã que negocia o tempo de vida entre pessoas de enorme poder aquisitivo e as que não têm nenhum, que pode doar anos seus em troca de uma quantidade generosa de dinheiro. Toma é o negociador prodígio da marca, e acaba de ser premiado por seus feitos, e Theissen é a CEO e dona da empresa, muito menos altruísta do que seu discurso sugere. 

Tudo o que é esperado nesse tipo de narrativa está em cena, como o grupo rebelde que luta para mostrar como a prática é uma forma de exercer poder e subjugo dos mais abastados, o mocinho que se vê cada vez mais propenso a mudar de lado conforme percebe que seus atos acabaram por determinar sua desgraça, e o sistema opressor que muda a persona de tipos dóceis em figuras inesperadas. A ironia é o roteiro tratar sobre uma luta coletiva pelo domínio sobre o tempo, e ser exatamente isso que falta a Paraíso, indo de encontro a uma espécie de situação que enforca sua história em busca de saídas que precisariam de uma reflexão muito mais ampla. Tantos os personagens quanto o espectador não se saem bem como deveriam, porque não há monitoramento frequente possível que nos possibilite avançar no que o filme propõe para sua discussão. 

Apoie o Cenas

O resultado é um jogo onde parece que as escolhas não foram devidamente acertadas em onde apontar seu desenvolvimento. Das duas, uma: ou estamos diante de uma minissérie encurtada, em que sua narrativa seria explorada devidamente por todos os núcleos e personagens, ou faltou enxugar seus excessos de temas e proposições para que estivéssemos focados em algum lugar específico. Do jeito que é tratado, estamos nos conectando a um grupo maior de eventos do que o roteiro permite explorar a contento. E o excesso de ritmo prejudica a qualidade de abordagem das suas muitas ramificações, com o roteiro de Paraíso sendo muito prejudicado pelo pouco que tem a entregar diante da quantidade de informações relevantes que seriam tratadas. 

O elenco faz o suficiente para manter o público conectado ao filme, e desempenha bem seus papéis sociais. Kostja Ullmann e Corinna Kirchhoff formam o casal improvável que se forma após a desgraça que se abate sobre os protagonistas, e ambos se saem muito bem nessa função de estranheza. A vilã vivida por Iris Berben tem visual e postura bem adequados para o que seu papel é desenvolvido, embora sua partilha de personagem não seja tão bem sucedida. Um exemplo, dentro do elenco, do que é esse senão do filme quanto a sua falta de prioridade são os personagens de Lorna Ishema e Numan Acar, dois dos responsáveis pela segurança de Theissen. Em uma cena, eles esbanjam toda a complexidade de sua situação e de como o filme poderia vendê-los dentro daquele jogo, mas suas presenças contribuem pouco para algo mais específico, e o público se limita dentro de um campo que poderia nos oferecer muito mais.

Não é como se não fosse capaz de demonstrar mais substância, inclusive a direção de Kunz é inspirada em diversos momentos, ao permitir que possamos adentrar tantas camadas pessoais dentro daquele vasto universo. Paraíso nos deixa a sensação de que poderia render algo muito mais corajoso e ousado do que é, quando escolhe ser uma aventura rápida e sem maiores pretensões, quando o próprio filme apresenta armas que o certificariam para mais. O que vemos parece uma versão resumida do que seriam sua abordagem a respeito de uma nova categorização de dominação, mas que o filme encerra dentro de uma lógica do espetáculo, restringindo seu alcance. 

Um grande momento

Negociação e invasão 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo