- Gênero: Suspense
- Direção: Tyler Perry
- Roteiro: Tyler Perry
- Elenco: Kelly Rowland, Trevante Rhodes, Sean Sagar, Nick Sagar, RonReaco Lee, Shannon Thornton, Angela Robinson, Kerry O'Malley
- Duração: 115 minutos
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A humanidade não tem um minuto de sossego. Desde que fez uma associação com a Netflix, a ‘Tyler Perry Studios’ tem nos presenteado com uma produção anual, pelo menos, de narrativas ruins em realizações idem. Assim como outros profissionais que não citarei aqui (porque ninguém merece ser comparado ao diretor da franquia Madea), Tyler Perry percebeu que seu retorno garantido de bilheteria estava em curso de disparada ladeira abaixo, e para tentar reverter sua popularidade, esse contrato veio a calhar. Agora ele tem um espaço para o escoamento do horror, esse mesmo horror encontra um público carente de QUALQUER novidade, e filmes infames como Mea Culpa acabam por se tornar sucessos.
Ao fim da sessão, a saudade de O Homem do Jazz é inevitável. Talvez o filme pelo qual mais fui atacado em 2022, com leitores esbravejando que eu não tinha entendido a “sensibilidade” da produção (que era inexistente), na comparação com Mea Culpa, aquele título biográfico parecia um vinho de excelente safra ao lado de um vinagre vagabundo. Ainda que eu tenha certeza que naquele texto eu já atentava para a consciência de que era mesmo um Perry diferenciado – embora isso, para ele, não signifique muito – seu novo sucesso ‘netflixiano’ mostra que ele continua intacto na absoluta falta de talento. Que tenhamos contemporâneos a ele Spike Lee, Jordan Peele, Barry Jenkins, Ryan Coogler, Steve McQueen, Ava Duvernay, André Novais Oliveira, Gabriel Martins, Mati Diop, Alice Diop, seus serviços parecem ainda mais graves no atentado contra o espectador que ele promove.
Aqui, mais uma vez ele repete uns cacoetes do suspense barato que ele tinha já mostrado em outras atrocidades como Acrimônia e Relação em Risco, criando umas situações que nos anos 90 pareceriam antiquadas. Especificamente, Mea Culpa tem a mesmíssima premissa de dois títulos oitentistas, O Fio da Suspeita, com Glenn Close e Jeff Bridges, e Sob Suspeita, com Cher e Dennis Quaid. Aqui, Kelly Rowland e Trevante Rhodes ocupam esses lugares da advogada chique e seu cliente suspeito de assassinato, que irão se envolver emocionalmente. A apresentação da premissa nem é um problema propriamente dito, mas seu desenvolvimento sim, porque Perry não consegue atualizar essa questão, e incorre em machismo, explícito ou estrutural, do início ao fim, colocando suas personagens femininas como alvo de estratagemas que as diminuem em seu gênero, isso quando elas não estão apanhando, sendo humilhadas sem reagir ou servindo de estepe sexual.
Tenho para mim que ao menos uma quebra de paradigma ao menos Perry tenha alcançado nesse seu novo filme, e esse seria um motivo de comemoração. Mea Culpa me parece ser seu ápice como diretor de elenco – ápice do fundo do poço, claro. Existem muitas vagas para serem ocupadas aqui entre os futuros indicados ao Framboesa de Ouro, e eu nem vou me prender a Kelly Rowland, como os fãs de Beyoncé poderiam querer; a moça, perto dos demais, está até decente. Os irmãos (na vida real e no filme) Nick e Sean Sagar são muito ruins em absolutamente tudo o que se propõem, a vilã vivida por Kerry O’Malley deveria sair algemada das filmagens, mas nada nos preparou para Trevante Rhodes. O ator foi muito elogiado em Moonlight na fase final do protagonista, mas aqui parece ter absorvido que estaria fazendo o pior filme de sua carreira e decidiu entregar a pior interpretação de muitas carreiras. Simplesmente inclassificável em sua mistura de amante cafajeste e apaixonado de ocasião, Rhodes eleva o filme a uma experiência antropológica. Se no futuro Mea Culpa for utilizado em aulas de anti-interpretação, esse demérito é dele em particular, mas de Perry em linhas gerais.
Não há qualquer motivo para procurar sentido, estético ou narrativo, em uma produção dirigida por Perry, mas o que acontece em Mea Culpa ultrapassa alguns limites da falta de bom senso, de bom gosto e de boa convivência entre seres humanos, partindo do pressuposto que Perry visivelmente não gosta das pessoas, ao entregar isso como entretenimento. Os figurinos de Rowland são inacreditavelmente bizarros, a peruca usada por O’Malley é risível, e a principal cena de sexo do filme é algo como vocês nunca viram – e vão cogitar a cegueira logo depois de vê-la. No roteiro absurdo, a mocinha foge sabe-se lá porque cargas d’água para a República Dominicana (????) logo após um entrevero, e por aquelas bandas o desfecho do filme cai literalmente no colo dela. Os motivos para a viagem e a ideia de unir essa situação é algo que jamais teremos a compreensão enquanto vivermos.
Ao término de uma sessão de tortura como é Mea Culpa, a pergunta que mais martela a cabeça são dos propósitos para termos dado o play em tamanha tragédia – diga-se, o filme é um grande hit. Nada pode nos confortar mais do que nos colocarmos no lugar de Rhodes e companhia, mas o rapaz especificamente. Protagonista de um vencedor do Oscar de melhor filme relativamente recente, o moço precisa esconder esse capítulo da filmografia, caso queira receber qualquer novo convite. A não ser que seja encarado como a infâmia que é, um filme de Tyler Perry não serve para nada a não ser como um contra-cheque. Para ele, no entanto, pode ser um passaporte para uma temporada onde será melhor se esconder das mídias. Que ele consiga se recuperar, rir dessa abominação, e esconder de qualquer parente o resultado disso aqui; esse é um daqueles casos onde um primo ou um cunhado fará você de bode expiatório da zoação coletiva por muitos e muitos anos.
Um grande momento
Tinta dourada escorrendo pelo …
No streaming costuma ser assim mesmo, só porque é lançamento o pessoal corre pra assistir sem levar em consideração a qualidade, aí acontece de qualquer porcaria ser visto por muitas pessoas.