Crítica | Streaming e VoD

O Preço da Noiva

Novas tradições

(Lobola Man , AFR, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia Romântica
  • Direção: Thabang Moleya
  • Roteiro: Katleho Ramaphakela
  • Elenco: Lawrence Maleka, Kwanele Mthethwa, Sandile Mahlangu, Nimrod Nkosi, Letuka Dlamini, Sthandile Nkosi, Thembsie Mathu, Obed Baloyi, Sello Ramolahloane
  • Duração: 105 minutos

A Netflix tem um acervo de filmes sul-africanos com crescimento exponencial, onde através dela se tornou possível conhecer um lado do país que não é conhecido dos festivais, nem dos espaços de consagração. São filmes populares, mas realizados com uma experiência e uma dedicação que chamam a atenção mesmo em Hollywood, onde todas as atenções são dedicadas ao orçamento. Em um título como O Preço da Noiva, chama a atenção que tanto seja alcançado (inclusive em visibilidade dentro da plataforma) com uma modéstia genuína. Talvez por isso o filme esteja entre os mais assistidos da atualidade e porque tais títulos continuamente chamam a atenção de um público tão diferenciado como o brasileiro. 

Esse é o tipo de narrativa que, com alguma adaptação, poderia estar no catálogo do cinema estadunidense, mas que o sabor impresso pelo seu país de origem garante personalidade ao filme, e uma vontade de explorar suas tradições para o resto do mundo. Assim, uma prática ainda comum entre eles como o pagamento do dote de casamento (intitulado lobola) centraliza as ações do roteiro e mostra para o resto do mundo que tais hábitos não se constituem automaticamente como retrocesso. Até porque as personagens femininas de O Preço da Noiva passam longe da submissão e do recato, tendo suas atitudes muitas vezes sendo reproduzidas por homens bem mais fracos que elas. É uma forma de abrir o debate sobre feminismo em um filme que passa longe de propositar o levante de bandeiras. 

No fundo, a comédia romântica como um todo é fonte de procura constante dentro dos muitos streamings existentes no país – vide o sucesso ainda intermitente de Tudo em Família, lançado há algumas semanas. Com uma estrutura bem tradicional do que é produzido em toda parte do mundo, mas que é explorada com insistência pelo cinema estadunidense, O Preço da Noiva tem charme e simpatia o suficiente para provocar seu sucesso. São personagens que já conhecemos, os protagonistas, seus amigos-orelha, os parentes próximos e os ambientes de trabalho, tudo muito moderno e cosmopolita. Não agride ninguém com uma linguagem rebuscada, e ainda atende a um público padrão com a visão de elementos despadronizados, de alguma forma. 

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Como a própria ideia da tradição do ‘lobola’, que tem um alcance milenar, mas que pode assustar por ainda estar inserido hoje de maneira naturalizada pelas novas gerações. A forma como eles observam aquilo sem contestar sua relevância é uma maneira de mostrar que são padrões que não têm previsão de mudança a curto prazo. Parece pouco, mas o cinema tem outra forma de suculência quando nos promove o encontro com o inesperado, com o novo ou com o inusitado. O Preço da Noiva, mesmo bebendo em lugares já visitados com frequência pelo gênero em sua narrativa, ainda promove uma tentativa de socializar outros mundos e suas idiossincrasias. Podemos inclusive debater o quanto daquilo ali pode ser encaixado dentro de uma estrutura patriarcal e antiquada, mas que é necessário sabê-la para poder questioná-la. 

Com um elenco muito simpático, uma atriz verdadeiramente linda como protagonista, e um coadjuvante muito talentoso (vivido por Sandile Mahlangu), O Preço da Noiva é passatempo despretensioso que insere suas questões sem precisar polemizar. Estão sendo pensados no meio do todo um grupo de questões que indicam o estado de um país muito longe de nós em práticas, mas que tem uma simbiose conosco em diversos compartimentos. E, para assistir a mais um produto pasteurizado e de resultado idêntico ao visto nos últimos anos ou décadas, fica a impressão de que estamos na verdade descobrindo um novo mundo ao encarar esse aqui. De entrarmos no centro de uma cinematografia que também pode nos ofertar diversão, e ainda apontar detalhes para observar culturas das quais temos pouco acesso. 

Um grande momento
“Me chamo David”

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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