- Gênero: Animação
- Direção: Kelsey Mann
- Roteiro: Meg LeFauve, Dave Holstein, Kelsey Mann
- Duração: 95 minutos
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Assim que o botão da puberdade é acionado dentro do organismo de uma adolescente, imaginamos que por trás dessa ação, é detonada por um grande número de sensações dentro do corpo humano. Essa é uma das características que há 9 anos a Pixar nos fez experimentar – tudo o que sabíamos existir, ou que imaginávamos, pode ter vida própria. Divertida Mente foi um daqueles sucessos do estúdio que sobrevive a gerações, porque sua comunicação iria além do que uma temporada poderia abarcar. Não fazíamos ideia, no entanto, do que viria com o lançamento de Divertida Mente 2; um mês após sua estreia, todos os recordes foram batidos, e no Brasil o filme é a maior bilheteria de todos os tempos. A essa altura, com dados tão impressionantes, é complexo avaliar o filme à margem disso, mesmo que a crítica não tenha qualquer obrigação com números. No entanto, esse alcance mostra como o filme tem potencial para se tornar uma franquia longeva, e que nossos encontros com Riley sejam pontuais e frequentes.
Vários colegas têm acusado Divertida Mente 2 de falta de originalidade, não apenas por apresentar um universo já conhecido pelo público através do primeiro, como por reproduzir em sua narrativa blocos de ação também vistos no capítulo anterior. Sinceramente, isso não é uma questão com a qual eu acho que o filme deva se ressentir, ainda mais tendo o filme uma base anterior, que aqui é retomada. Já o caminho empreendido pelos tipos, com elementos ressaltados no grande sucesso de 2015, é no fundo uma clássica roupagem para a jornada do heroi. Logo, esse demérito providencial não é uma força desigual que arranhe o equilíbrio do filme; estamos mais uma vez diante de uma assertividade em torno de tudo o que o espectador verá, e que ainda assim surpreende. Além disso, o campo que a Pixar costuma trabalhar é esse desde o lançamento de Toy Story, em 1995: e se formos olhar para o que não tem voz, e “ouvi-los”?
A forma como o roteiro da original Meg LeFauve e dos novatos Dave Holstein e Kelsey Mann (que também estreia na direção) conecta tematicamente as duas partes independe do que é traduzido como originalidade, porque são olhares muito afins um do outro, e a presença de LeFauve para o processo foi crucial. É um trabalho tão bem amalgamado que o espectador desavisado tem a impressão de que o projeto sempre foi pensado de maneira duplicada, porque as qualidades da primeira parte estão reproduzidas aqui, e quem teve suas questões lá provavelmente irá repeti-las também no novo. Divertida Mente 2 não é um produto que não pretende comunicação com quem não teria embarcado na onda anterior, e as acusações de repetição soam injustas justamente por seu cerne ter o mesmo campo de conversação.
Acho verdadeiramente preciso que a montagem aqui seja tão evidente em criar o ritmo acertado para o que vemos, sem desvalorizar o trabalho narrativo, e exemplificar esse aspecto em uma animação é a prova do quanto foi elaborado em sua área. A função de Maurissa Horwitz mostra que as possibilidades do que vemos é amplificada por essa gradação da edição, que se pauta na leitura das emoções que protagonizam o filme. Cada uma delas equilibra com suas cores e vibrações diferentes estágios cinematográficos do que vemos, sem imprimir definitivamente seu DNA, deixando Divertida Mente 2 sempre atento ao próximo estágio a ser contado. Isso fica muito evidente no clímax da Ansiedade, onde o filme adquire seu estágio de intensidade mais aguda.
A forma como o roteiro trança os personagens é a pitada que transforma o filme, e isso é mais evidente entre Tristeza e Vergonha. Sua colaboração mútua é uma característica que ultrapassa o que vemos, e nos faz ir até o extracampo durante a projeção, porque sabemos o quanto essas emoções são intimamente ligadas. Assim como o encontro sedutor entre Alegria e Ansiedade mostra o tanto que uma pode ser dependente da outra, com o roteiro traduzindo esses caminhos muito bem. Assim como o primeiro, Divertida Mente 2 tem um “defeito” capital: é virtualmente inescapável que nosso envolvimento pessoal com a obra não ocupe também parte da análise, porque tudo que se passa na tela não reverbera apenas em Riley, mas em qualquer ser pensante.
O envolvimento pessoal do espectador com a narrativa não seria suficiente para declarar a qualidade de qualquer obra, mas não é apenas isso que Divertida Mente 2 fornece. Seus personagens tem relevo claro, e mesmo participações mais rápidas, como uma especial que aparece por poucos segundos, é marcante e não sai de cena sem criar envolvimento. Com inesgotáveis sacadas excepcionais (como a “reforma”, o desfile das profissões, a tempestade de ideias, e tantas outras) e uma demonstração de encantamento que também não cessa, o sucesso avassalador é justificado a cada nova cena. Se existe uma pontada de auto-ajuda na mensagem, isso significa muito mais uma busca pelo reconhecimento de doenças emocionais que o filme explora tão bem. É assistir o filme e ter a certeza de que não vimos nada em vão, e… eu já falei que a diversão é ininterrupta e contagiante?
Um grande momento
A crise de Riley, por dentro e por fora