CríticasFestivais e mostras

Pepe

A vida privada dos hipopótamos

(Pepe , DOM, FRA, NAM, ALE, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Experimental
  • Direção: Nelson Carlo de los Santos Arias
  • Roteiro: Nelson Carlo de los Santos Arias
  • Elenco: John Narváez, Shifafure Faustinus, Fareed Matjila, Harmony Ahalwa, Jorge Puntillón Garcia, Sor María Ríos
  • Duração: 120 minutos

Não dá pra negar que sobra coragem a Nelson Carlo de los Santos Aria, e talvez isso seja o suficiente para que seu Pepe esteja muito mais alto diante das premiações possíveis, do que um filme como esse alcançaria. O tanto de caminhos complexos que são abertos pela produção, que almeja comentários de diferentes ordens a respeito de diferentes contextos, históricos ou não, criam uma cacofonia que funciona em grande parte do tempo, embora nem sempre encontre eco em quem assiste. Parte desse incômodo observacional em cima de mamíferos pensantes de imenso porte que tenhamos também uma experiência das mais ricas, por tratar-se de uma aventura em torno de um campo latino-americano ainda não completamente assimilado. 

A captura de hipopótamos pelo cartel de Pablo Escobar nos anos 90, que trouxe da África um casal para viver em sua fazenda (?!?!), tem tido mais visibilidade fora da Colômbia nos últimos anos, mas ainda causa estranheza tal evento. Em Pepe, Aria promove uma tentativa de de aproximação das mais inusitadas, nos fazendo acompanhar tais animais em sua migração forçada. Na tela, tudo soa exótico inicialmente, mas aos poucos seu caráter passa a se aproximar de trajetórias escravagistas do passado, ou de refúgio do presente. Existe sim um lugar onde tais relatos poderiam soar críveis em quaisquer dos três objetos de estudo que o filme procure acompanhar, e talvez seu principal impedimento seja o de não encontrar lastro suficiente para englobar tantas conexões. 

Porque também estamos falando das criaturas propriamente ditas, que chegam a um lugar desconhecido a seu habitat natural e encontram todos os elementos possíveis de repulsa e fascínio quanto forem possíveis. Não apenas elas em cena de Pepe, quanto também os lugares onde elas foram repatriadas, que se modificam a partir de sua chegada. É o espaço geográfico que precisa se adaptar, mas também a fauna humana local que absorve tais elementos igualmente sem preparo. Se não estamos diante de uma produção que parece tentar ler a xenofobia a partir de um entendimento tácito, tampouco há uma vilanização dos pensamentos que levam a tais lugares, quando talvez fosse necessário uma ausência de compreensão quanto a um crime que ainda não é totalmente compreendido – e punido. 

Apoie o Cenas

Então temos os hipopótamos que são capturados em outro continente que divagam sobre suas condições, e a realidade que será ressignificada a partir de sua chegada. Temos então um outro grupo narrativo que precisa também ser ouvido e assimilado, e que parece muito mais inserido dentro de um chavão estético e narrativo, provocando um ruído no produto. Pepe precisa dar conta de tantos olhares quanto possíveis, que se amplificam cada vez mais em torno de processos não exatamente afins, e que reafirmam sua pluralidade de olhar. Ainda que encontrem espaços de diálogo complementares, o roteiro parece se perder diante da obrigatoriedade de encontrar comunicação a tudo que é apresentado, e que soa excessivo quando tais elementos convergem. 

Em certos momentos, Pepe se afasta de suas ambições formais para tornar-se mais um retrato de observação a respeito de realidades periféricas latinas. Em outros, filma tais alegorias com alegria e o entusiasmo que vemos historicamente quando acessamos certos padrões, como na leitura a respeito do concurso de beleza. Uma ou outra coisa não podem ser consideradas excludentes, mas criam um embate narrativo com a centralidade de suas origens, que não conversam com o totem que foi criado pelo projeto. Se por um lado suas questões soam válidas e passíveis de interesse, por outro não conseguem concatenar o grande impasse aberto pelo excesso. São visões multifacetadas, que se encontram na origem da exclusão generalizada, mas que não avançam para além da inquietação. 

Parecem habitar muitos mundos dentro das ideias de Arias, mas sua ambição extrema em cruzá-los não soa sempre orgânico, e sim com uma certa pressão externa ao que vemos. Não é uma matemática fácil de resolver, e embora todos os lugares apresentados soem naturais, eles efetivamente não se comportam em harmonia. Dentro do que é apresentado, um olhar parece ter mais assertividade que outro, que se encontra menos desenvolvido, uma espécie de apêndice mal explorado a respeito de refugiados e escravizados, de ontem e de hoje. 

Um grande momento

O estranhamento inicial em perceber a narração em off

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo