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Sariri

Liberdade com curvas

(Sariri , CHI, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Laura Donoso
  • Roteiro: Laura Donoso, Carolina Merino, Sofia Pavesi
  • Elenco: Catalina Ríos, Martina González, Paola Lattus
  • Duração: 77 minutos

É verdadeiramente impressionante que existam pessoas como Laura Donoso, que estreiam na direção de cinema com uma visão extremamente acertada sobre o que desejam a respeito de seu ofício – que acabou de ser inaugurado. Sariri é um projeto audacioso sob muitos aspectos, mas o principal deles deve ser mesmo a capacidade singular de sua cineasta em não apenas conduzir com tanta firmeza uma narrativa bifurcada, como em mostrar ser tão capaz tão rapidamente. Alguém mais experiente sentiria o peso de lidar com algo tão delicado como o que a cineasta apresenta aqui; Donoso mostra que uma certa prepotência jovem é bem-vinda, às vezes. 

A apresentação da obra, anteriormente a apresentação, já conta com um achado, justamente por levar o espectador a um caminho inusitado de cara. Porque a personagem que batiza a obra não é sua única protagonista, ou mesmo quem está em cena de maneira centralizada a maior parte do tempo. Donoso e suas companheiras de escrita desenvolvem uma história que adentra com sutileza o campo sempre espinhoso das tradições ancestrais que geralmente foram escritas, desenvolvidas e mantidas pela escolha conveniente do patriarcado. A maneira como Sariri adentra uma cultura tão arcaica, sem a violência tradicional que tais narrativas empregam, carrega mais camadas de complexidade em decisões nada óbvias de seus personagens, que mostram sua maturidade como artista. 

Sariri cerca uma família e suas experiências em uma comunidade distante conhecida pelo sugestivo nome de La Lágrima, com foco principal em uma dupla de irmãs. Dina é bastante jovem, já está casada e acaba de receber a notícia nada agradável de que está grávida; sua irmã Sariri é ainda mais jovem que ela, está passando por um processo tradicional ligado a sua primeira menstruação e, como a irmã, não está nada satisfeita com o que se aventa para o futuro. O filme parece não perder qualquer detalhe, e ao invés de se atrapalhar com sua ambição meticulosa, vai criando novos e pequenos detalhes que montam um cenário incomum. Porque são saídas que sempre mostram a ampliação maior de seu discurso, sem transformar a ideia original em uma salada de situações. 

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O filme ainda apresenta uma discussão externa das mais instigantes, principalmente por se tratar de uma cineasta. Ao olhar para o horror coletivo, é justo escolher a sobrevivência pessoal?, e faz tal pergunta de maneira diluída ao longo do desenvolvimento. Não é como se precisasse comprovar respostas certas ou erradas, mas de mostrar justamente os lados de cada decisão. Isso mostra como Donoso não pretendeu aqui começar uma carreira plácida, ao mesmo tempo em que traveste suas opções como autora de uma voz cheia de suavidade para marcar campos de discussão existentes nas ações das imagens. Está em cada curva, como nas brincadeiras inocentes entre as duas amigas, momentos antes do casamento tirar a ingenuidade dessa relação.

Com uma dupla de protagonistas que são bastante inusitadas, por estarem tão distantes de um ideal de concepção ou de motivação, Sariri mostra que não existem campos que não possam ser perseguidos e desejados pelas mulheres, mesmo que cedam à toxicidade. Por trás da aparência afável em seu projeto, Donoso libera sua narrativa para ousar além do que é esperado hoje em posicionamentos femininos. Isso não diminui o que assistimos, pelo contrário, garante ao filme uma ótica particular que desafia os conceitos do hoje. São passos como esses que mostram o real empoderamento, onde a sororidade exista onde a prática sugira outros esquemas. Por trás do que é mostrado de maneira explícita, existem os sonhos individuais e uma vida cheia de restrições, onde a liberdade não significa necessariamente realização e paz. 

Um grande momento

Através da janela do carro

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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