Crítica | Festival

Cidade sem Sonho

Cópia infiel

(Ciudad Sin Sueño, ESP, FRA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Guillermo Galoe
  • Roteiro: Guillermo Galoe, Victor Alonso Berbel
  • Elenco: Antonio Fernandez Gabarre, Bilal Sedraoui, Jesús Fernandez Silva, Felisa Romero Molina, Pura Salazar
  • Duração: 96 minutos

Nós já vimos esse filme antes. Talvez, toda Mostra SP ele reapareça para mostrar que essa história ainda não foi contada o suficiente, às vezes melhor encenada, às vezes só repetida mesmo. Em Cidade sem Sonho, a questão da origem cigana de seu lastro principal é afogada por outro tratamento, muito mais globalizado: a pobreza, maior que qualquer poder que consiga ser exercido a partir de qualquer conjuntura. Talvez seja esse um código que o cinema devesse tentar correr sempre que possível, o da chamada glorificação (ou embelezamento) da miséria, e aqui com possibilidades ainda mais preocupantes porque está enganchado em outro clichê, aquele cujo roteiro é construído em cima do olhar – e a partir do ponto de vista – das crianças do ambiente descrito. 

Em todo o material que encontramos do filme, existe essa conexão – crianças em situação de abandono, porém em imagens celebratórias. E o filme parte de uma associação com pretensões documentais, já que seus personagens, em sua maioria, têm o mesmo nome de seus atores. Não tem nada de circunstancial nessa decisão, a não ser atrelar realidade ao que se vê, e atribuir a essa liberdade um contexto de beleza sensorial e estilística. Quando o filme se concentra no drama dos tipos que povoam esse universo, Cidade sem Sonho parece invadir ambientes já excessivamente rememorados, como Amores Brutos; quando tenta enfatizar um aspecto artístico, parece remontar a propagandas de ajuda a refugiados de guerra. 

Então fica essa questão eterna do audiovisual: até quando uma produção finalizada com esmero, dirigida com precisão e até rigor técnico, com uma ideia desenvolvida a contento, pode ser absolvida de seus apontamentos retrógrados? Isso não é incomum, e estão espalhados em cinematografias dos quatro cantos do mundo, das mais bem intencionadas (Babel) até as de aparência inofensiva (Perrengue Fashion), esse é um debate sempre pronto a acontecer. Cidade sem Sonho torna a invocar a influência que nosso Cidade de Deus acabou exercendo em muitos olhares em diretores espalhados no mundo todo, Guillermo Galoe é só mais um entre tantos. E como em sua inspiração, precisa ser questionado quanto ao olhar embevecido diante de uma realidade pouco gloriosa. 

No cerne das questões narrativas, Cidade sem Sonho consegue absorver não apenas essa visão histórica da pobreza de caráter questionável, mas também uma outra vertente europeia, a da apropriação recente dos valores ciganos em uma versão criminosa. Como em Ciganos da Ciambra, temos uma pouco edulcorada imagem em relação a um povo que geralmente é associado ao perigo e ao ilícito. A diferença é que aqui esse aspecto redutor se une a outro, e juntos formam um filme pouco imaginativo, e com muitas problematizações de sua própria feitura. O corte final não surpreende, e ainda guarda um sabor requentado de outras abordagens anteriores, a maior parte delas sem qualquer dubiedade de tratamento. 

O pacote é fechado com um tom repetitivo dentro da própria obra. Em cena, tudo é forjado em esquema; o protagonista Tonino está sorrindo e na cena seguinte de cara emburrada, e essa costura é feita do início ao fim. A devoção com que ele trata a cachorra Atômica e o elo que ele cria com Bilal também nos mostram uma moldura já conhecida de muitas narrativas, aqui só reaproveitada sem maiores mudanças. Cidade sem Sonho é um painel repleto de mesmice, cuja realização é, sem dúvida, um acerto estético, mas exatamente por isso suas habilidades devem ser inquiridas. Afinal, elas estão a favor de que tipo de abordagem? Até onde esse comprometido naturalismo precisa investigar por repetidas vezes grupos de desgraçados sociais? A quem esse olhar beneficia, ou reflete como novo? 

Um grande momento
A corrida de Atômica 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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