- Gênero: Drama
- Direção: Shih-Ching Tsou
- Roteiro: Shih-Ching Tsou, Sean Baker
- Elenco: NIna Ye, Janel Tsai, Shih-Yuan Ma, Brando Huang, Akio Chen, Xin-Yan Chao
- Duração: 105 minutos
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A passagem de A Garota Canhota pelo Festival de Cannes foi celebrada. A estreia de A Garota Canhota na Netflix vem sendo celebrada. A chegada de A Garota Canhota na Mostra SP vem sendo celebrada. Particularmente, não entendo o motivo de tanta celebração. Ou de qualquer celebração, mais especificamente falando. Tirando o que deveria ser a protagonista absoluta, ou seja, a personagem-título, pouco além precisa ser exaltado aqui, a começar pelo envolvimento de Sean Baker no projeto. Porque muito mais do que o filme ter “a cara da Netflix”, como dizem por aí de todas as produções do streaming, esse filme não somente tem cara de Baker, como tem seu DNA, suas características mais marcantes, e principalmente o registro de um de seus filmes mais marcantes, Projeto Flórida.
A ponto de em mais de um momento, o espectador ter a certeza de estar diante de um remake da obra, made in Taiwan. O trocadilho é muito ruim, mas a analogia não poderia ser melhor, tendo em vista que existe muita coisa que foi apropriada de um lado a outro. Pois bem, Sean Baker não é apenas produtor de A Garota Canhota; embora somente isso esteja na divulgação mais pesada, o filme é co-escrito e montado também por ele. Isso justifica a “influência” de uma obra na outra, mas indo muito além: a inquietude da câmera, os voos da protagonista pelos corredores do mercado onde a mãe trabalha, o colorido extremo, a personagem-título com um caminhão de carisma, a prostituição disfarçada de uma das personagens mais velhas, a falta de dinheiro absoluta e o fato da família improvisada precisar morar em um espaço inviável. E se bobear, em uma nova assistida, ficará mais evidente outros tantos de decalques que o próprio autor incutiu na autoralidade alheia. Ou não, já que tudo aqui remete a um filme de Sean Baker.
É óbvio que existe diversão em A Garota Canhota, afinal, tem uma atriz pronta em cena, e ela não tem nem 10 anos de idade. Nina Ye é um achado, assim como Brooklynn Prince foi na, digamos, obra original. Com graça inesgotável, presença cênica que não se compra em cada esquina (muito menos se vende), um luz que parece ser rebatedora de mil sóis, e efetivamente ser a pessoa de mais talento de todo o elenco da produção, Ye é o motivo para estar diante do filme e torcer por ele. Na verdade, muito do que será comprado aqui, não terá outro destinatário que não a sua interpretação inesquecível, de verdade. É ela quem faz tirar todas as risadas que o espectador dá, e também é ela que arranca as lágrimas, mas principalmente ela é um termômetro de tudo que funciona em cena. Sua dupla com Janel Tsai é um daqueles momentos que não sairão da cabeça do público, porque a química entre ambas salta aos olhos.
Mas não é apenas pela questão de não terem assumido a base do filme de 2018 aqui que incomoda; remakes existirão para sempre. A construção dos personagens adultos é carregada de incômodos, estereótipos e idiotices que nos fazem afastar de qualquer maior contato com a obra, por mais saborosa que seja sua forma. Em vários momentos, tudo não se distancia de um dramalhão mexicano dos anos 90, incluindo vários acessos de orgulho inexplicável, e uma condução de maternidade que nunca avança para além do questionáveis. Egoísmo em doses cavalares não são características pouco ricas para preencher um personagem, mas quando tais amarrações fazem perder o sentido do todo, é que já passou do momento onde a coerência pode ser dispensada.
Mais um valor que o filme não consegue abrir mão são dos valores ocidentais de molde cinematográfico, a começar pelo uso estridente de trilha sonora. Em tempos onde toda trilha menos sutil é chamada de intrusiva, o tema quase único que povoa os quatro cantos de A Garota Canhota deixa de ser carinhoso muito rapidamente, para tornar-se irritante e desnecessário. A montagem excessivamente clipada é outra característica importada de um recorte bem longe do Oriente, o que mostra que o autor que acaba de ganhar uma chuva de merecidos Oscars por Anora teve participação extremamente prejudicial, demolindo qualquer tipo de personalidade ao material de Shih-Ching Tsou.
O que salva A Garota Canhota é exatamente o que transforma certas obras longe do aceitável no qualitativo, é a capacidade de entretenimento impresso em cada fotograma. O filme, como o refrão de músicas do Lulu Santos, não desgruda do espectador, que assiste tudo o que passa pela tela em um misto de fascínio (ainda que culpado) e um senso de reprovação por tudo o que vê. Crendo estar pouco acompanhado em tudo que descrevi acima, talvez seja preciso retificar as frases anteriores, porque a reprovação não será unânime. Unânime mesmo só o furacão Nina Ye, que derruba o mau humor de qualquer um com um daqueles casos onde devemos parar tudo para aplaudir a naturalidade de uma criança, e que além de tudo é uma atriz imensa. Aos 9 anos de idade.
Um grande momento
A confissão de I-Jing a respeito das peripécias da mão do diabo



O filme faz parte da seleção da Mostra de São Paulo, Marcos. Ele ainda não teve lançamento comercial no Brasil. :)
NÃO ENCONTRO O FILME EM SITE ALGUM !!!