Crítica | Festival

E Mais Alguém

O detalhe de cada ação

(En iemand anders, HOL, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Vincent Tilanus
  • Roteiro: Vincent Tilanus
  • Elenco: Pier Bonnema, Rienus Krul, Hanneke Scholten
  • Duração: 85 minutos

Não são poucos os filmes que nascem do contato com uma anedota, um causo curioso, um conto adaptado, ou seja, de uma premissa muito rápida; o que é mais raro são essas obras conseguirem sobreviver ao mínimo, para se constituir de valor. E Mais Alguém está nesse caso feliz de título onde seus predicados inundam o que assistimos de questionamentos narrativos, sem jamais deixar de apresentar valor imagético a um estudo de atores e climas. É como se estivéssemos à disposição de um olhar sobre o outono dos fatos, respostas que vêm muito mais da maturação dos mesmos que de uma efervescência do pensar. De maneira comedida, chegamos às verdades de cada um, que são comprometidas pelo lugar onde estão, social e familiar.

Essa é a estreia na direção de longa-metragens de Vincent Tilanus, um cineasta de apenas 10 anos de carreira. E Mais Alguém é um cartão de visitas excelente, no que pese a sensibilidade do autor para defender uma trama de fácil conexão, e que provoca um debate natural que independe do seu resultado imagético. É um desses filmes de aparência simples na realização, mas que não deixa de demonstrar uma segurança fora do comum para avaliar olhares, linguagem corporal e um tenaz propósito sobre as coisas e pessoas. O filme está em uma zona de convergência onde estamos sempre à espera de um novo diálogo que possa aprofundar o que esses personagens precisam externalizar, para a dinâmica da verdade familiar. 

A vida de Tommy, um jovem adulto holandês, é cercada de privilégios, afetivos e materiais. Mesmo assumidamente gay, não há qualquer conflito em relação a isso, seja no trabalho, no ambiente familiar ou mesmo fora de um espaço confortável. Certa vez, Tommy descobre um segredo de seu pai que muda não somente toda a estrutura de sua família, como principalmente abre um abismo entre eles. E o que E Mais Alguém elabora é um debate a respeito da aceitação e do que somos sob uma perspectiva ainda não assimilada. É uma nova conjectura que se anuncia, e promete fazer com que o protagonista entenda que seus privilégios não o impedem de precisar tomar partido e promover uma discussão sobre a atualidade. 

A partir de um impasse que suas próprias convicções criam, a partir do momento em que Tommy precisa entender o momento em que saiu do armário, e a falta de apoio que recebeu do pai naquele momento. Essa é uma situação criada pelo roteiro de incrível sensibilidade e que não pode ser descartada da história, mas ao mesmo tempo, E Mais Alguém soa como insuficiente ao tanto de questões que carrega para dentro da produção. Estão todos em cena absolutamente conectados com o ambiente geral, e Tilanus mostra o melhor possível ao conseguir fazer com que seus atores sublimem qualquer ambição externa para que os embates daqui soem com a máxima credibilidade, e que muitas vezes nem são definidoras do todo. 

Em cena, o trio principal consegue corresponder às ambições do seu diretor, entregando performances que não se definem por uma cena, ou outra. Como já dito, são atores que conseguem estar em cena com a respiração, com cada pulsação pedida, com a jornada de cada um atravessando o personagem seguinte, sem resvalar para o melodrama na representação. Por mais que seu formato seja uma indução do que é feito no gênero, E Mais Alguém prima por uma abordagem naturalista sem retoques. Isso é reproduzido na tela por uma contenção maior que o habitual; estamos falando de uma família holandesa que provavelmente vivia em harmonia até então. Com o compromisso de revelar apenas a verdade entre eles, o filme arrebata justamente por termos tão fácil e tátil acesso a personagens que poderiam ser vizinhos, ou uma família paralela à nossa. Por fim, temos vontade de abraçar cada um deles, quem errou e quem não.

Um grande momento
A primeira tentativa de diálogo entre pai e filho, após a descoberta


Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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